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Carlos Simões, o mestre do vinho que deixa os fatimenses orgulhosos

21-11-2019
Actualmente, só existem dois Master Sommeliers na Península Ibérica e um deles é fatimense. Chama-se Carlos Simões, tem 32 anos e é natural de Fátima, mas neste momento trabalha, com o irmão, num dos melhores restaurantes de Melbourn, Austrália.

A paixão pela restauração despertou cedo neste jovem sommelier (especialista de vinhos). Tudo começou com um par de ténis. Carlos tinha, na altura, 11 anos e queria umas sapatinhas da Nike, que custavam cerca de 100 euros, e mãe recusou-se a dar-lhas, por achá-las demasiado caras, mas disponibilizou-se para lhe comprar um par por 50 euros. 

Carlos recusou, alegando que "toda a gente na escola tinha umas iguais". A mãe não recuou e disse-lhe que se ele quisesse as de 100 euros teria que "trabalhar para elas". Carlos foi à luta e arranjou trabalho num café, para espanto da progenitora, que só depois de muita insistência da parte de Carlos é que cedeu e o deixou ir trabalhar.

"Comecei a trabalhar aos fins de semana, às vezes depois da escola, e fui ganhando uns trocozitos. Quando juntei os 100 euros, cheguei ao pé da minha mãe e disse-lhe: Mãe, podes comprar-me as outras sapatinhas? Eu já não preciso das Nike. E guardei o dinheiro", recorda Carlos, que veio recentemente visitar a família.

"Acho que foi a forma que a minha mãe encontrou para me ensinar a poupar", afirma sorridente. "A minha paixão pela restauração, pela hospitalidade, começou aí…", acrescenta. E recorda: "Quando eu comecei a trabalhar explicaram-me como é que se tirava um café perfeito.

Passado algum tempo, um cliente recusou um café por não estar bem tirado. Então, o patrão apontou-me o dedo e disse-me: Carlos, é a última vez que te mostro como se tira um café perfeito, ou fazes como deve ser, ou não preciso de ti aqui. A partir daí, percebi que podia aprender muito e que tinha de fazer tudo ao detalhe, com muito pormenor… Foi assim que cresceu a minha paixão" por esta área.

O desejo de trabalhar no "Eleven"

Quando se inscreveu no curso de restauração da Escola Profissional de Ourém, já tinha alguma experiência e já sabia o que queria. "Queria trabalhar com vinhos e nos melhores restaurantes do mundo…", afirma, sem rodeios.

E continua: "Na altura, estava a abrir o Restaurante Eleven, em Lisboa, e pensei: Quero ir trabalhar para lá um dia."

E assim foi. "Fui andando, andando, sempre a pensar no Eleven…Trabalhei nos restaurantes cá em Fátima, era sempre o primeiro a oferecer-me para representar a escola em tudo o que era competição… Fui crescendo, fui aprendendo, por todos os sítios por onde passei, retinha as coisas boas e deixava ir as más… Trabalhei na Praia d' El Rey, num hotel de cinco estrelas, deu formação numa escola em Alenquer, e estava na Pousada de Óbidos, como chefe de sala, quando surgiu a oportunidade de ir para o Eleven", conta Carlos, que confessa ter sido "super importante" trabalhar naquele espaço que, na altura, era considerado o melhor restaurante de Portugal. "Estive lá exactamente um ano. Foi um ano muito, muito bom".


A experiência no "Gordon Ramsy"

Ainda assim, não se acomodou e procurou novas experiências.

Desta vez, em Londres. "Queria ir trabalhar com o João Pires, no Gordon Ramsy, que tinha três estrelas Michelin e foi considerado o segundo melhor restaurante do mundo em 2002. Mandei o meu curriculum uma, duas, três, quatro, cinco vezes… e eles nunca me responderam", afirma.

Mas Carlos continuou a insistir até que um dia lhe responderam, apesar da resposta ter sido negativa. Disseram-lhe que ainda não era suficientemente bom para trabalhar no local.

Carlos não desanimou e respondeu, referindo que ia continuar a trabalhar até estar à altura das suas exigências. Passados alguns minutos, voltou a receber um e-mail, desta vez a convocá-lo para uma entrevista.

Dois meses depois, estava a trabalhar no Gordon Ramsy. "Comecei na posição mais baixa, a polir pratos, talheres e copos, nem sequer ia à sala. Na semana, seguinte já comecei a ir à sala, mas a acartar pratos… E assim fui progredindo, progredindo, até que fui finalmente trabalhar com o João Pires".

Carlos reconhece que não foram dias fáceis. "Foi dos sítios mais difíceis onde já trabalhei e com mais disciplina… Eles eram super exigentes com a limpeza pessoal, com a limpeza do restaurante… Era muito, muito difícil, mas super, super interessante", recorda.

E admite: "Eu não estaria onde estou e com a responsabilidade que tenho se não tivesse passado por lá. Muitas vezes pensava: O que é que estou aqui a fazer? Isto é de loucos, isto não se faz, mas ao fim e ao cabo eu sabia porque é que estava lá e sabia que nunca iria desistir", refere.

Quando decidiu ir para Londres Carlos levava dois objectivos em mente -trabalhar com João Pires, (que, na altura, era o único Master Sommelier de nacionalidade portuguesa), e começar a estudar para ser também Master Sommelier.

"O vinho sempre me interessou muito", afirma. "Nós contamos histórias aos clientes, sobre os produtores, sobre os vinhos, é uma maneira de viajar pelo mundo, de conhecer as regiões, as culturas, as comidas de cada região, as pessoas, as paixões de cada produtor…".

Por outro lado, "o meu avó já produzia vinho aqui em Ourém e o vinho sempre esteve presente na minha família", explica.

Master Sommelier: a concretização de um sonho

Para Carlos, não foi fácil conciliar os estudos com o trabalho.

"Eu dizia 'um dia vou passar o Master Sommelier' e toda a gente se ria, porque eu não tinha experiência e não sabia falar inglês", confessa o jovem, que trabalhava entre 15 a 17 horas por dia e, ainda assim, arranjava tempo para estudar. "A casa onde eu vivia era muito, muito velha e gelada no inverno, então, quando chegava a casa acendia o fogão da cozinha e abria a porta do fogão e ficava ali a estudar uma ou duas horas antes de me deitar.

Dormia três/quatro horas, e no dia seguinte voltava a fazer o mesmo… Nos dias de folga, enquanto o pessoal saia, eu ficava em casa a estudar.

Quando passei a primeira das três provas, nem queria acreditar, porque toda a gente me dizia que eu não ia conseguir…", refere, salientando que tudo é possível, basta lutar. "No segundo ano, pensei que conseguia terminar tudo, mas só consegui fazer uma prova, e este ano estava determinado a passar a última prova e assim foi", revela.

E salienta orgulhoso: "Só existem duas pessoas na Península Ibérica com este estatuto, o João Pires e agora eu, e 262 no mundo".

Carlos Simões não pretende ficar por aqui. E já pensa em voos mais altos. "Quero fazer o Master of Wine. É semelhante a este curso, mas tem um pouco de enologia, business, jornalismo… é um bocadinho mais abrangente", explica, sublinhando que "existem cerca de 300 pessoas no mundo com esta formação, mas só há quatro pessoas no mundo que têm os dois cursos. O meu objectivo é ser o próximo".


A experiência na Austrália

Há cinco anos a viver na Austrália, Carlos sente-se em casa, referindo que aquele país tem muitas semelhanças com Portugal, embora tenha melhor qualidade de vida.

"A maneira de viver dos australianos é bastante parecida com a dos portugueses, eles gostam de desporto, saem do trabalho e vão beber um café, convidam os amigos, quando é altura da praia vão para a praia… Felizmente, os invernos e os outonos são curtos, as pessoas andam contentes quase o ano todo… A grande diferença é que lá não se sentem as crises, as pessoas têm trabalhos muito bons, ganham bastante bem, o modo de vida é semelhante, mas qualidade de vida é diferente", afirma.

O regresso a Portugal

Um dia, Carlos espera voltar para Portugal.

"Qualquer dia volto com o meu irmão, abrimos um restaurante, e acho que vamos ter sucesso…".

Até lá, Carlos vai continuando a dar cartas, no outro lado do mundo.