Vivemos tempos complexos e desafiadores. A juntar‑se ao grave problema da falta de líderes políticos esclarecidos e credíveis, as sociedades são incapazes de se organizar de modo a dar resposta a problemas tão graves e prementes como a fome, os movimentos migratórios desordenados, a distribuição da riqueza...Paralelamente, a sociedade tecno‑líquida, aparentemente virtuosa para os “devotos” das novas tecnologias (NT) vai semeando dúvidas e medos para os “desconfiados” de tanta tecnologia e liquidez. Para falar um pouco deste mundo incontornável e um pouco do que vem aí, o NF conversou com Diogo Santos, um jovem licenciado em Gestão de Marketing pelo ISCTE e pós graduado em Empreendedorismo e Inovação, que se movimenta com muito à vontade neste mundo das NT.
Por: José Amaro
Notícias de Fátima – Das novas tecnologias quais as mais influentes nesta sociedade?
Diogo Santos – Nos últimos 10 anos com a propagação massiva dos smartphones, a Internet passou a integrar a nossa vida sendo cada vez mais difícil definir limites entre o que é real ou virtual. É no mínimo caricato que há alguns anos as pessoas receavam uma eventual ameaça de implementação de chips nos cidadãos de forma a controlar todos os nossos comportamentos… Actualmente essa ameaça encontra‑se consumada quase na sua totalidade sem ter sido necessário implementar‑nos esses chips nos nossos corpos, ao invés disso carregamos connosco esses “controladores do nosso comportamento” sob a forma de smartphones nos nossos bolsos de forma voluntária. Penso que os próximos anos serão de continuidade e aprofundamento desta grande revolução com a propagação da IoT (Internet of Things) e desenvolvimento da inteligência artificial. Tudo indica que todos os dispositivos passem a ter “inteligência” própria, desde os nossos simples electrodomésticos aos métodos de rastreio e diagnóstico de saúde todos estarão ligados rumo à eficiência e partilha de informação.
NF – A sociedade líquida tem “como húmus a tecnologia”, o que significa isto?
DS – A tecnologia cria as condições para a volatilidade do nosso estilo de vida, do nosso consumo e das nossas relações. Com tanta informação ao nosso dispor surgem milhares de estímulos que podem ser satisfeitos quase à distância de um clique. Toda esta facilidade abre um leque de oportunidades, mas também de ameaças, a dificuldade de conseguirmos orientar a nossa conduta é real. Por detrás de um ava‑ tar e escondidos podemos expressar o que temos de melhor, mas também de pior. A Internet e as redes sociais são um reflexo disso.
NF – A sociedade tecno, baptizada assim pelo psiquiatra Tonino Cantelmi, como se caracteriza?
DS – É uma sociedade onde os cidadãos se relacionam de forma virtual, a todos os níveis. Se repararmos as gerações mais jovens reflectem esse estilo de vida. Se antes os pais tinham de chamar as suas crianças da rua para os fazer retornar a casa ao fim do dia, hoje a dificuldade é conseguir que os jovens saiam à rua, interajam “cara‑a‑cara” e não por detrás do ecrã do PC ou smartphone. De salientar que se denotam nas novas gerações também características de maior tolerância e compreensão face a etnias e minorias o que será um efeito da globalização que explica também o facto de os jovens serem cada vez mais parecidos independentemente da zona do globo onde se encontram, pois devido à Internet comungam das mesmas referências.
NF – Como vês a evolução da tecnologia e da sociedade?
DS – Vejo com esperança e até grande confiança. Recuso‑me a assumir uma perspectiva totalmente pessimista e para isso recorro à história que costuma ser cíclica. Há alguns anos as pessoas receavam o impacto da TV na sociedade, também o fizeram até acerca do caleidoscópio e fizeram profecias acerca de como estes instrumentos iriam destruir a vida das novas gerações. No geral todos estes receios se revelaram infundados. Mas existem efectivamente desafios. Com o abalar dos alicerces da nossa sociedade e em função de um estilo de vida mais “líquido” vemo‑nos desamparados e a ansiedade é maior do que nunca na gestão das nossas carreiras e do nosso futuro. A informação sempre presente cria estímulos e expectativas difíceis de gerir e muitas vezes projecta realidades que não alcançáveis. Acredito que nos tempos vindouros o grande desafio para humanidade será a viragem para o seu interior. Com mais protagonismo das ciências sociais e da psicologia de forma a podermos preparar o ser humano para concretizar o seu verdadeiro potencial.
[Edição do NF de 20 de Março de 2020]