Notícias de Fátima (NF) - Como surgiu a ideia de retratar a cidade de Fátima e a sua envolvente?
João Coutinho (JC) - Nos tempos livres tenho por hábito andar com um caderno de desenho e canetas. Sempre gostei de desenhar, e tento cultivar essa prática. Assim, sendo Fátima o local onde estou, foi algo que fui fazendo naturalmente ao longo deste período de tempo. Depois de fazer alguns desenhos, achei que poderia ter um “conjunto” de desenhos com alguma coerência entre si.
NF - Gostou da experiência? O que descobriu através dela?
JC - O desenho em particular, é uma forma diferente de olhar para as coisas. Em vez de se tirar uma fotografia rápida, passamos uma hora, por exemplo, a comungar com um sítio, de forma mais demorada. É quase a diferença entre “olhar” de forma distraída, e “ver” de forma atenta. Nesse sentido, cada desenho é uma surpresa, ao começar, nunca sei bem como vai resultar. Acontece-me muitas vezes “descobrir” coisas que nunca “visto” realmente, em sítios onde passei dezenas de vezes.
NF - Vive há relativamente pouco tempo em Fátima. O que acha da cidade?
JC - Acho uma cidade calma, se excluirmos o movimento gerado pelo Santuário. Gosto de viver em Fátima. Os desenhos que vão estar nesta exposição cobrem um período sensivelmente de Fevereiro de 2020 a Fevereiro de 2022. Corresponde ao início da pandemia, que foi quando me mudei de Lisboa para cá. A meio deste período, numa das fases mais complicadas da pandemia, nasceu a nossa filha, em Fevereiro de 2021. Por isso, o meu futuro passa por esta cidade. Recomendo a quem queira viver uma vida mais tranquila, e ao mesmo tempo, estar a meio caminho para quase todo o país.
NF - Existe algum local que goste em particular?
JC - Acho que o Santuário tem um magnetismo especial, e gosto muito da paisagem à volta. Para quem faz passeios a pé ou de bicicleta, como é o meu caso, há locais muito bonitos à volta de Fátima.
NF - Prefere a cidade vazia ou nos dias mais movimentados?
JC - Acho que quase como todos nós, por vezes sabe bem a tranquilidade, outras, o movimento. Mas a minha ideia principal da cidade, é a de uma cidade calma. De recordar que venho de Lisboa (risos).
NF - O que gosta mais na cidade?
JC - Gosto do facto de ser tudo facilmente acessível a pé ou de bicicleta, gosto do ar limpo que se respira nas redondezas.
NF – E que o incomoda mais?
JC - Como arquitecto, em geral, acho que muitas das nossas cidades e terras, seja no litoral, seja no interior, não são perfeitas. Existe muita construção, de um determinado período, sem carácter nenhum, sem nenhuma ligação à envolvente e à paisagem, sem critério estético, e muitas vezes construída ilegalmente. No geral as pessoas identificam-se mais facilmente com as partes antigas das cidades, há uma razão para isso. Nos anos 70, 80, fez-se tudo de uma forma muito caótica. Resumindo, o nosso país podia ser ainda mais bonito. Nada me incomoda particularmente em Fátima, mas também é visível isto que disse. Acho que actualmente estamos mais despertos e mais sensíveis à necessidade que os edifícios e as cidades sejam mais belos, e pensados do ponto de vista da fruição colectiva.
NF - Se tivesse de descrever a cidade numa só palavra ou frase, qual escolheria?
JC - Cidade que gravita em torno do Santuário. É incontornável.
NF – É crente? A história de Fátima diz-lhe alguma coisa?
JC - Vou tentar explicar o meu ponto de vista sem que se torne confuso. Ser crente, remete para as palavras “crer”, “acreditar”, “ter fé”. Estas palavras usam-se muito na linguagem popular, mesmo que não seja num contexto religioso. Mas remetem talvez, para uma posição, que pode ser vista como passiva. Espero, desejo, tenho fé que algo aconteça, que tenha saúde, que a vida me corra bem. Mas muitas vezes não corre, todos sabemos isso. Mais do que acreditar, não é uma matéria de fé para mim, sinto na minha experiência individual, que todos partilhamos de uma centelha divina. Cada um de nós pode estabelecer essa conexão. Uns procuram-na através do Cristianismo, outros através do Budismo, ou do Islamismo, ou do Hinduísmo. Isso são contextos culturais. Acho muito importante reconhecer-se, que na sua essência, todas as religiões actuais, anteriores e futuras, pretendem a mesma coisa, aproximar o homem da sua essência divina. Reconheço a importância de Fátima no contexto de Portugal e internacionalmente. É um centro da vida espiritual cristã. E como tal, é expressão de um dos possíveis caminhos para Deus.