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Horácio Borralho, o (re)criador de narrativas

15-12-2019
Horácio Borralho foi o artista convidado pela organização para criar a peça-prémio do III Festival Literário Tabula Rasa, realizado em Novembro último em Fátima.

“Pensámos várias hipóteses, incluindo uma figura humana, mas ficava demasiado parecido com o conceito dos “óscares” do cinema. Acabaram por decidir pedir-me que trabalhasse a escultura de uma tábula rasa, mais simples, eu gosto de simplicidade”, refere Horácio Borralho, de 53 anos, natural e residente em Boleiros.

 

O convite para a criação desta peça escultórica, fundida no Porto em estanho e bronze, foi o mote para uma conversa sobre o seu trabalho como artista, já com exposições um pouco por todo o país e em Espanha.

 

Uma das suas últimas exposições individuais, “Na pele de Jesse James”, esteve dois meses patente ao público, até Setembro passado, na Caixa Forte, Galeria de Arte do Banco de Portugal, em Leiria. Integrava cerca de trinta pinturas e desenhos com o imaginário do Velho Oeste americano. A ideia era travar um diálogo com o espaço que durante muitos anos era a caixa forte do Banco de Portugal em Leiria. 

 

Profissionalmente, o trabalho que desenvolve numa empresa sediada em Vale de Ourém tem também o seu quê de artístico, já que é técnico de modelação para produzir peças em faiança e grés.

 

Horácio Borralho gosta de desenhar e de pintar desde que se lembra. Em pequeno, a mãe, para o ver sossegado e feliz, desenhava‑lhe “quase sempre animais, centopeias, lacraus, bichos‑conta, galinhas, etc”. Ele depois tentava reproduzir esses desenhos. O pai, já falecido,vendia calçado nas feiras, mas também tinha dotes de artista, de artesão, já que trabalhava com mestria a pedra calcária para esculpir pias e peças ornamentais.

 

Na escola, até ao 12.º ano, o Horácio destacou‑se nas disciplinas de artes, e também nas outras, já que quase sempre foi um aluno aplicado. Decidiu fazer um interregno nos estudos assim que terminou o ensino secundário, e logo depois do serviço militar obrigatório começou de imediato a trabalhar na área da modelagem.

 

O verdadeiro mundo da arte entrou na vida do Horácio mais tarde. “Já tinha trabalhos da minha autoria, sou autodidata, sempre gostei de pintura e de desenho, mas o impulso maior tive‑o aos 40 anos, quando me inscrevi na licenciatura de Artes Plásticas, na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha”.

 

Antes, Horácio Borralho, aos 24 anos, tinha frequentado vários cursos de desenho e pintura, na AR.CO, em Lisboa. Nessa época foi encorajado a prosseguir com estudos relacionados com artes, mas como já trabalhava foi impossível entrar em artes em Lisboa.

 

Após a licenciatura nas Caldas da Rainha, acabaria por fazer o mestrado, com a tese “As Estratégias da Figuração”, sobre o lugar que esta ocupa nas práticas contemporâneas do desenho e da pintura. Durante o ano de 2014 e 2015 participou em várias exposições com um grupo de artistas chamado “ATLAS” com exposições em: Aveiro, Setúbal, Coimbra, Porto, Caldas da Rainha, Évora...

 

Das várias exposições individuais permitimo‑nos destacar, em 2008, “Almost Grey” na Galeria Arquivo, Leiria. Das exposições colectivas destacam‑se: em 2013, “Desenhos no Museu Malhoa” no Museu Malhoa, Caldas da Rainha; em 2013, Exposição de Finalistas na ESAD, Caldas da Rainha; e em 2011, “Ikas Art” em Bilbao, Espanha.

 

Uma experiência recente que também apreciou foi realizada a convite da Paróquia de F.tima, onde coordenou, no último ano lectivo, o atelier de pintura para alunos do 7.º ano da Grupo de Catequese de F.tima. Os alunos criaram conjuntamente uma grande tela pintada por todos os alunos a que deram o título “Cidade de Belém”.

 

(Re)criar narrativas a partir de imagens

 

As abordagens e opções artísticas de Horácio Borralho, por decisão tomada de forma consciente, são arriscadas, já que o autor em muitos trabalhos se apropria de imagens, de temáticas diversas, que encontra na internet ou em fotografias, de situações, produtos e pessoas, recriando essa imagem de forma a construir e a reconstruir a sua narrativa, porque todos nós temos uma história de vida, sendo que o espectador haverá de deparar‑se com a sua leitura também pessoal. 

 

No entanto as pinturas valem por si, pois muitas vezes as narrativas são ambíguas ou demasiado pessoais, e neste caso a qualidade pictórica tem que estar presente. 

 

“Este tipo que trabalho a que me dedico, vive muito da cultura popular, à banda desenhada, aos ícones do cinema, e transformar aquilo num discurso que muitos associam à alta cultura, um pouco à imagem de Andy Warhol e outros, algo que nos anos sessenta também estava muito na ordem do dia. Nos dias de hoje, o trabalho de apropriação de imagens para pintar é perigoso. Conheço artistas, que a nível internacional, que já tiveram grandes chatices, porque foram processados e perderam em tribunal, por usar imagens por exemplo de políticos que não gostaram dessa reinterpretação”, refere Horácio Borralho, que ainda assim não pretende deixar de dedicar‑se ao que gosta.

 

“A arte tem pouco de decorativo.”

 

“A arte tem pouco de decorativo. O Andy Warhol até brincava com isso e dizia em tom de provocação que qualquer pessoa comprava as suas pinturas da “cadeira eléctrica” se aquilo estivesse a condizer com os cortinados ou com o sofá”, diz Horácio Borralho.

 

No seu espaçoso estúdio, no primeiro andar da sua casa, a quantidade de trabalhos e a diversidade de temas e cores tratados mostra bem que a criatividade ali abunda. Nada é realmente decorativo, mas informativo, formativo, provocador até – quem se lembraria de pintar numa tela alta uma caixa do xarope Ben‑U‑Ron!

 

“A verdade é que a arte tem um papel muito além do decorativo, se calhar tem a função da despretensão das pessoas, talvez até tenha uma função intervenção política, embora a mim isso não me entusiasme, ou várias outras funções”, conclui.