Como é que surgiu a ideia de seguir o sacerdócio?
Perto da minha terra, em Tortosendo, havia um seminário dos Missionários do Verbo Divino e, um dia, os padres foram lá à escola perguntar aos meninos que estavam a terminar a 4.ª classe se queriam ir para o seminário. Claro que a gente não tinha ideia do que era o seminário, mas aquilo era uma oportunidade para seguir o ensino, porque as nossas famílias eram bastante carenciadas e não tinham possibilidades para os filhos irem estudar.
Os seus pais reagiram bem à ideia?
Os meus pais aceitaram perfeitamente a ideia, sobretudo a minha mãe, que era muito religiosa e muito chegada à Igreja. Para ela, aquilo era uma coisa muito bela. Se eu cheguei ao sacerdócio, devo-o, em muito, à minha mãe, porque era uma pessoa excepcional, sempre disponível e imparável. Viveu os últimos anos em Fátima, e está sepultada no cemitério da Fátima.
A sua formação foi tranquila?
Na altura, Fátima já estava a ser construída, daí que ficámos um ano em Tortosendo e, logo no ano seguinte, fomos destacados aqui para Fátima. Fizemos a nossa formação nos Dominicanos e depois fomos para Lisboa, porque abriu lá uma espécie de universidade para os religiosos. Depois houve as inundações em Lisboa, e nós ficámos sem casa. Então, uns foram para Espanha e outros foram para Alemanha, para continuar os estudos. No meu caso, fui para Espanha [Pamplona]. Completei lá os estudos e fui ordenado aqui em Fátima.
Veio logo trabalhar aqui para Fátima?
Vim tomar conta dos alunos, porque, até à altura, os nossos superiores eram todos estrangeiros, alguns alemães, outros brasileiros…
E por aqui permaneceu até agora?
Estive aqui alguns anos e depois fui para Tortosendo novamente. Depois o Padre Pereira [que era o director do CEF] foi para os EUA, e eu tive de vir para cá, para substituir o padre Pereira na direcção do CEF, e por aqui tenho estado.
Ao longo destes anos, manteve-se sempre na direcção do CEF. Como é que olha para este projecto?
Foi uma coisa muito boa aqui para Fátima, porque não havia ensino. Então, a população começou também a pedir para frequentar a escola e houve o bom senso de deixar abrir, principalmente para aqueles que não tinham completado os estudos. Muita gente agradece ao CEF por ter tido essa amabilidade. Começámos com o curso nocturno, depois os alunos seminaristas continuaram a diminuir drasticamente, nós começámos a admitir alunos aqui da zona, e foi assim que o CEF se foi fortalecendo. Os seminaristas praticamente acabaram, a escola prosseguiu com os alunos aqui da região. Agora temos falta de alunos. Temos tido muitos despedimentos e continuam a acontecer, mas vamo-nos aguentando, fazendo uma gestão muito rígida. Agora, temos lá os pequeninos, que dão uma vida nova ao CEF. Acho que estamos a fazer um bom serviço a essas crianças. Muitos acabam por ficar lá, e nós precisamos muito disso.
Também esteve sempre muito ligado ao seminário do Verbo Divino, que agora foi convertido num hotel de luxo...
Como todos os seminários, isto era uma casa enorme, estava muito bem organizada, mas a determinada altura os alunos começaram a faltar. Então, tivemos aqui um padre alemão, que era o padre Paulo, que começou a receber peregrinos, grupos na casa… Ele teve um percurso muito interessante, passou pela guerra, teve prisioneiro na Rússia… Estava aqui até Outubro, depois ia à Alemanha e ficava lá até ao Natal. Teve uma morte curiosa. Morreu no aeroporto, quando se estava a deslocar para o avião. Quando ele faleceu, eu fiquei responsável pela parte da hotelaria e assim me mantive até se fazer esta obra. Achou-se por bem fazer esta obra, porque as exigências de hoje são totalmente diferentes, as pessoas têm que ter condições, e nós precisamos de nos sustentar e de manter a província.
Sente-se um privilegiado por ter vindo trabalhar aqui para Fátima?
Sinto. Fátima é uma terra abençoada como todos os lugares… Esteve aqui a Mãe…
Sente esta terra como sua?
Eu sinto-me muito bem aqui em Fátima. As pessoas manifestam grande amizade, principalmente em Boleiros e Maxieira, já lá vou há 35 anos celebrar as missas. Aonde quer que eu vá encontro sempre pessoas amigas, antigos alunos… Vêm ter comigo, pedem-me para os casar, baptizar os filhos… Foi, sem dúvida, um percurso muito belo.
Como é que vê o futuro desta cidade?
Vai ter altos e baixos.
Ao longo do seu percurso, nunca se sentiu tentado a deixar o sacerdócio?
Eu sentia-me bem, porque é que havia de ter essas tentações de sair? A minha vida foi sempre encarada de forma natural, nunca se colocou o problema de sair ou não sair.
Também jogou futebol?
Estive integrado no futebol e nessa dinâmica toda. Jogava no CDF, participava em torneiros… Joguei com o padre Pereira...
Se pudesse voltar atrás, escolheria o mesmo percurso?
Se uma pessoa se sente bem, não vai fazer outras experiências que podem falhar. Tive uma carreira muito bonita, muito interessante.
Sente-se um homem realizado?
Sem dúvida…
O que é que lhe falta fazer?
Agora, é manter, ajudar e colaborar.
Se pudesse resumir o seu percurso numa só frase, qual é que escolhia?
Nas mãos de Deus.