Notícias de Fátima (NF)- Tem sido desafiante presidir à Assembleia Municipal de Ourém?
João Moura (JM) – Consumo muito do meu tempo aqui, porque quando queremos fazer o que nós estamos a fazer aqui, na Assembleia Municipal de Ourém, isto consome-nos muito tempo. Há sempre muitos despachos para dar, muitos documentos para ver, muita coisa para fazer… As Assembleias Municipais são um bocadinho verbo de encher neste país. Devia ser uma função remunerada em que as pessoas pudessem cumprir esta missão de forma diferente.
NF – Neste segundo mandato, viu a sua votação reforçada. Isso deixa-o mais tranquilo ou, pelo contrário, sente necessidade de fazer sempre mais e melhor?
JM - Tranquilidade nunca dá; dá-nos é outra responsabilidade. No dia a dia, as pessoas vão mostrando que apreciam o nosso trabalho, quer seja através das redes sociais, quer seja através dos prémios que vamos recebendo, e obviamente que isso nos dá um peso de responsabilidade ainda maior, ainda por cima porque temos vindo a desbravar caminho a nível nacional.
NF – A Assembleia Municipal de Ourém é quase um modelo para as restantes Assembleias do país?
JM - É verdade! É com algum orgulho que eu digo que, por exemplo, câmaras como Mafra ou Castelo Branco vieram beber à Assembleia Municipal de Ourém a plataforma de gestão documental. Nós criámo-la de raiz, porque talvez não fosse um programa muito apetecível para as empresas de informática. As Assembleias Municipais são 308, reúnem seis/sete vez por ano, a maioria delas tem um trabalho muito limitado… Quando assumi funções percebi que tínhamos de nos dirigir aqui à Assembleia para aceder aos documentos. Agora, a documentação está toda disponibilizada na internet, de forma muito intuitiva e muito acessível. Parece-me que demos um passo em frente. E esse modelo já foi replicado por bastantes Assembleias Municipais deste país.
NF - A Assembleia Jovem de Ourém é outro exemplo de sucesso. Alguns frutos deste projecto já são se tornaram ícones, como é o caso da escultura “Fátima – Cidade da Paz”.
JM - Confesso que não tinha ideia do impacto que a peça ia ter… Uma coisa tão simples, idealizada por crianças, sem a intervenção de arquitectos, designers, urbanistas, estudiosos de marketing e de imagem, tornou-se num ícone da cidade… Alguns hotéis já incluíram a imagem nos seus folhetos de promoção.
NF – Também gostava que a iniciativa contribuísse para formar cidadãos mais conscientes e activos?
JM - Esse é o objectivo! Eu desejo muito que eles se interessem pelos problemas da comunidade. E parece-me que estamos a lançar as sementes… Os jovens, até ver, têm aderido com muito entusiasmo. O tema deste ano é da maior actualidade: a água. Aquilo que pretendemos é que eles despertem e pensem: o que é que posso fazer? Claro que eles têm a ajuda de toda a comunidade educativa, mas estamos muito curiosos para perceber a sensibilidade deles e quais os contributos que eles podem dar.
NF – A nível concelhio e distrital, já exerceu praticamente todos os cargos, falta-lhe apenas o de presidente de Câmara. Está nos seus planos um dia gerir os destinos do município de Ourém?
JM – Sim, claro! Confesso que sempre tive esse sonho. Não se proporcionou devido a uma conjugação de factores. Ser presidente da Assembleia Municipal é uma função muito digna e muito honrosa, mas não é uma função executiva. O dia a dia do Município não depende de nós. Um dia, quem sabe, se me deixarem ser… Não me imporei, porque acho que o actual presidente está a fazer um bom trabalho e acho que tem condições para fazer os mandatos que entender. Está no segundo, ainda poderá fazer mais um. Depois, se o meu partido, que é o PSD, entender, estou disponível para ser.
NF - Quando olha para o concelho, o que é que o preocupa mais?
JM - Preocupam-me várias coisas. Uma delas é haver assimetrias muito grandes dentro do próprio concelho. Parece-me que há aqui um problema que ainda está por resolver que é aproximar mais ainda Ourém e Fátima. Já houve uma tentativa de separação, mas isso não se concretizou. Então, há que viver com aquilo que existe e fazer com que estas duas cidades se complementem. Até hoje ainda ninguém conseguiu fazer isso.
NF – No seu entender, como é que isso pode ser feito?
JM – Primeiro, devíamos aproximá-las o máximo possível, em termos de tempo. Não conseguimos corrigir a distância, mas conseguimos corrigir o tempo. Parte da actividade profissional da minha família e da actividade escolar dos meus filhos é em Fátima. Eu e a minha mulher temos dias em que fazemos quatro viagens entre Fátima e Ourém e Ourém e Fátima. É uma viagem muito penosa! Segundo, existem outros concelhos no país que têm duas grandes cidades. Por exemplo, Mafra e Ericeira. Uma tem uma grande importância turística e a outra tem uma grande importância cultural. As duas cresceram harmoniosamente. Aqui, no concelho, Ourém não acompanhou o desenvolvimento de Fátima.
NF - Faltou o quê?
JM - Faltou precisamente esta proximidade de tempo entre uma e outra. Se aproximássemos as duas cidades e se transformássemos Ourém num local mais aprazível e bonito, as pessoas não sentiam aquela pressão de viver só em Fátima, podiam alargar a sua procura um bocadinho mais além – quem sabe até ao norte do concelho. Mas aí já estamos a falar um bocadinho de estratégia de desenvolvimento. A Câmara vai criar uma zona industrial na Freixianda. Estou com alguma espectativa para perceber o que é que isso poderá trazer.
NF – Na sua opinião, não seria melhor criar uma zona industrial em Fátima?
JM - Foi uma opção política. Não me cabe criticar, cabe-me respeitar a opção tomada. É claro que Fátima é mais apetecível. Agora, não podemos esquecer que debaixo do solo de Fátima está uma das principais riquezas do nosso país. No subsolo daquele maciço calcário nasce a grande bacia hidrográfica subterrânea que o nosso país tem de reserva de água. Não é por acaso que grande parte do subsolo de Fátima é Reserva Ecológica Nacional. Quando se fala de uma zona industrial, fala-se de vários tipos de indústrias e algumas delas podem ser focos de contaminação do subsolo. Portanto, acho que devemos ter aqui alguma cautela. Mas não precisamos de ir para o aglomerado de Fátima para fazermos uma zona industrial. Acho que Ourém, não foi neste executivo, mas nos anteriores, perdeu uma excelente oportunidade para criar uma zona industrial.
NF - Onde?
JM - Na zona do Escandarão. No limite entre Leiria e Ourém. Parte dos terrenos até já estavam adquiridos. Nós temos de olhar sempre para o universo que está à nossa volta. Leiria também está carente de zonas industriais. Temos de contrariar a tendência de concentrar tudo demasiado. Por exemplo, Fátima reclama um grande espaço verde. Mas lá está. Fátima não tem água disponível, enquanto aqui em Ourém temos muita água. Falta uma via que ligue as duas cidades em menos de cinco minutos. Acho que há várias hipóteses.
NF – Qual é a sua sugestão?
JM - Às vezes, nos 13 de Maio, vou a Fátima a pé. Há caminhos incríveis que nós podíamos explorar, abrindo novas vias de proximidade entre Ourém e Fátima. Eu moro na zona de Pinheiro e posso dizer que, atalhando por caminhos, da minha casa ao Santuário são oito quilómetros. De carro, a viagem demoraria três/quatro minutos.
NF - Isso é um bom projecto para defender enquanto deputado da nação…
JM – Teria de partir daqui. Posso defender, como já defendi muitas vezes, a ligação do IC9 à A1.
NF – Que teima em sair do papel…
JM - É um processo delicado por várias razões. Para já, quando concluíram o IC9 adulteraram o projecto. Eu conheci o projecto, estava na câmara como vereador. Por exemplo, acabaram com a saída que estava ali próximo do Lagarinho [saída de Ourém para Tomar]. Depois, o projecto inicial contemplava a tal ligação à A1, através de uma via paralela, desde a actual rotunda de saída de Fátima, no Pedrome, até às portagens da A1, em Fátima. Foi chumbada. A justificação dada foi a de estar em zona de máxima infiltração. Nós não pressionámos o suficiente para contrariar isso. Queríamos era o IC9 pronto. Mais tarde, quando se voltou a reclamar o nó, inventaram outras soluções. Mas parece-me prior a emenda que o soneto.
NF - Porquê?
JM - Iam deslocar as portagens de Fátima. E tenho dúvidas de que a solução que está adstrita aos compromissos que o PS tem vindo a fazer seja a melhor. Por isso, não me pronuncio sem saber qual a solução que nos estão a dar, porque há a boa solução e há a má solução. A má solução era acabar com o nó em Fátima. Acho que uma das grandes vantagens de Fátima é ter aquele nó dentro da cidade.
NF – Tem sido um dos grandes defensores da criação de um aeroporto regional em Tancos. Vai continuar a lutar por esta causa?
JM - Cada vez mais. Monte Real não é a solução. Seria necessário um investimento muito grande. A pista teria de ser toda refeita, porque está vocacionada para receber aviões ligeiros e não aviões de transporte ligeiro de passageiros e mercadorias. A camada que sustenta a pista não aguenta voos pesados. Depois, Monte Real está no meio de uma vilazinha, tem uma auto-estrada relativamente perto, mas a acessibilidade a Fátima não é assim tão acessível. Não tem ferrovia. Depois, em termos operacionais, Monte Real tem os aviões de emergência, que têm de sair ao primeiro toque de alarme. Em poucos segundos, estão no ar, 24 horas por dia. Se fossemos lá colocar uma intervenção civil, estaríamos 100 por cento condicionados a esta intervenção militar.
NF - No caso de Tancos, essas questões já não se colocam?
JM - Tancos está mais longe de Fátima, mas tem sempre auto-estrada directa. Serviria Fátima na perfeição. Há menos de um mês, reuni com o Senhor General das Infra-Estruturas Militares para lhe colocar estas questões, e o que ele me transmitiu deixou-me muito agradado. Disse-me que Tancos é compatível com o civil. Além disso, tem três auto-estradas na proximidade. Ao contrário de Monte Real, precisa de um investimento de 30 milhões, que corresponde a quase metade do orçamento da Câmara Municipal de Ourém. Daria para reformular a pista e dar todas as condições para receber voos aéreos de todo o mundo. A pista, ao contrário de Monte Real, não tem limite de crescimento. Hoje está praticamente desactivada. É compatível com o uso militar. Tem duas pistas concluídas. Tem ferrovia. O Entroncamento está ali a meia dúzia de quilómetros e a linha do Leste passa dentro do perímetro de Tancos. Acho que este aeroporto era o grande salto para a região. Por exemplo, em Lurdes é o município que sustenta o aeroporto, porque sabe que é fundamental para a atractividade turística e religiosa. Acho que nós aqui, os municípios de Tomar, Torres Novas, Abrantes, Golegã, podíamos defender este investimento. Eu já falei com o ministro sobre isto, disse-me: “Por mim, tudo bem, desde que convençam a parte militar”. Também já fui falar com a parte militar e dizem: “Tudo bem”. Agora, tem que haver vontade política, se não for do Estado da nação, que seja dos Estados locais.
NF – O que pensa o presidente da Câmara de Ourém sobre o assunto?
JM - O senhor presidente está consciente disto. Os outros começaram a acreditar. Tenho uma forte esperança de que, nos próximos anos, Tancos seja uma realidade. Acho que vai ser a grande mola impulsionadora para toda a região.
NF - O primeiro-ministro, António Costa, mostrou-se disponível para discutir a questão da regionalização nesta legislatura. A concretizar-se, pode ser uma oportunidade para Fátima ganhar a sua autonomia. Estaria disponível para apoiar esta causa?
JM - É conveniente falarmos a verdade e fugirmos à utopia. É evidente que Fátima, com a dimensão e com a estrutura que tem, pode e deve ter a ambição de ser concelho, mas para que isso aconteça deveríamos ser um bocadinho mais ambiciosos. Isto é, Fátima com a sua realidade, a sua dinâmica, é muito mais do que a Cova da Iria. Hoje, parte da malha urbana dos concelhos vizinhos juntaram-se à malha urbana de Fátima. Então, se quisermos discutir o assunto com seriedade, teríamos de dar dimensão a Fátima, junto de Leiria, Batalha, Porto de Mós, Alcanena e, se calhar, até aqui de Ourém - parte de Atouguia e da freguesia das Misericórdias. Então, assim, ficaríamos com um concelho já com substância, com dimensão, com escala. Na minha opinião, só assim se justificaria voltar a puxar este tema para cima da mesa. Fazê-lo só porque sim, sabendo que não é esta a vontade política de nenhum partido e que a tendência é de fusão e não de desagregação, era abrir uma caixa de pandora, era falar sobre o assunto de uma forma brejeira. Só separar por separar não faria grande sentido.
NF – Fátima tem merecido a devida atenção das instâncias políticas?
JM - Fátima merece uma atenção muito especial. Acho que tem sido feito um conjunto de investimentos significativos que têm dado a Fátima uma diferenciação positiva. Mas, muito sinceramente, acho que os municípios que estão aqui à volta não têm sabido potenciar isso.