Será que a guerra é inata à humanidade? Será que os Homens têm sempre de viver em guerra? A realidade é que a guerra tem acompanhado a história da humanidade e moldado as suas instituições económicas, sociais e políticas, os seus valores e ideias. Se o homem isolado pode ser violento é na sociedade organizada que, por diferentes razões, se desenvolve a guerra.
Na Europa, desde o Império Romano à 2ª Guerra Mundial, a guerra foi sempre uma realidade muito presente. No final da 2ª Guerra Mundial, conscientes deste problema e com o objectivo de acabar com as guerras na Europa, seis Estados, directamente envolvidos nesse conflito devastador, criaram em 1957 a CEE, que mais tarde evoluiu para a União Europeia (UE). Com a criação da CEE iniciou‑se um longo período de paz na Europa, não tendo existido nenhuma guerra entre seus Estados‑membros, o que é reconhecido como um dos seus grandes méritos. Mesmo no restante continente europeu a CEE/UE contribuiu para um período de paz, interrompido apenas com a guerra da Bósnia (1992‑1995), guerra no Kosovo (1999), guerra no Donbass (2014‑presente) e agora com a guerra na Ucrânia.
O que foi teorizado por Clausewitz, um general Prussiano, que no início do século XIX afirmou “a guerra nada mais é do que a continuação da política por outros meios”, confirma‑se novamente pela actuação da Rússia, que no início do século XXI trouxe a guerra, de forma brutal e crua, à Europa, para tentar alcançar os seus objectivos políticos.
Relativamente à guerra na Ucrânia, neste ambiente de destruição, sem solução à vista, vou comentar brevemente dois dos muitos os aspectos que poderiam ser abordados. Desde o fim da 2ª Guerra Mundial e da criação da CEE que o modelo de sociedade dos Estados membros da CEE/UE baseado na liberdade, na democracia liberal, no comércio livre e na economia de mercado, com respeito pelos direitos humanos se tem vindo a estender a outros Estados. Dos seis Estados‑membros fundadores da CEE, aos actuais 27 Estados‑membros da UE, este modelo de sociedade foi‑se estabelecendo. Na realidade muitos dos actuais Estados‑membros da UE no passado fizeram parte do Pacto de Varsóvia (Polónia, Bulgária, Hungria, Roménia e Checoslováquia) e mesmo da URSS (Estónia, Letónia e Lituânia) e hoje são membros da UE. Penso que para a Rússia, mais do que o facto de a Ucrânia poder vir a pertencer à NATO, é o facto de esta poder vir a pertencer à UE que a Rússia quer evitar. No passado existiam muitos Estados entre a CEE/UE e a Rússia, o que dificultava que o modelo político e social da CEE/UE fosse conhecido pelos cidadãos russos. Mas a UE está‑se a aproximar territorialmente cada vez mais da Rússia e se os cidadãos russos perceberem que na UE se vive melhor, com mais direitos, vão querer a mudança no seu país e isso coloca em causa o modelo político e de sociedade da Rússia actual.
Sem querer retirar gravidade à guerra da Ucrânia o segundo comentário é relativo à relevância dada na comunicação social a esta guerra, quando no mundo existem outras guerras mais sangrentas. Na guerra da Ucrânia as mortes de civis confirmadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos somam mais de 5 mil pessoas. Não há números oficiais relativas a militares mortos indicando os especialistas entre 10 a 15 mil em cada um dos Estados em guerra. A guerra no Iémen, que já dura há mais de 11 anos, com mais de 233 mil mortos e de 2,3 milhões de crianças em desnutrição aguda, com quatro milhões de pessoas obrigadas a fugir de suas casas é de uma gravidade atroz, mas igualmente a Etiópia, Camarões, Haiti, Mianmar e Afeganistão são países com guerras em curso mais graves do que a da Ucrânia, mas das quais não ouvimos falar.
Claro que a guerra da Ucrânia está a provocar consequências muitos graves para a economia mundial, mas essa não pode ser uma razão para essas outras guerras serem ignoradas. Sabendo o peso que a comunicação social tem para a resolução de um conflito é fundamental não esquecer as outras guerras em curso. A palavra final é de esperança, confiar que a UE continue a apoiar a Ucrânia, que foi violentamente atacada pela Rússia, e que contribua para encontrar o fim desta guerra.
[Artigo de opinião publicado na edição de 9 de Setembro de 2022]