Quando Francis Fukuyama publicou o seu livro “O Fim da História e o Último Homem” exactamente há 30 anos, a incerteza não era um factor que surgisse como relevante aos olhos do homem daquele momento.
A democracia liberal parecia ter derrotado definitivamente os modelos totalitários, e o modelo político ocidental era replicado por todo o mundo, com maior ou menor perfeição. Os governos totalitários pareciam condenados a desaparecer.
O liberalismo económico, entendido como uma redução da intervenção do Estado na economia, com o primado do mercado, foi seguido por todo o mundo, e levou a uma era de criação de riqueza retirando milhões da pobreza como nunca antes na história da humanidade.
A globalização, a integração das economias mas também das culturas a um nível sem precedentes, criou inter dependências e proximidades indiciando que as grandes guerras seriam obsoletas, sem sentido económico ou civilizacional. Apenas alguns conflitos de natureza étnica, muito limitados no espaço e no tempo seriam doravante observáveis.
Na Europa, a integração também avançava em profundidade e em área, cumprindo o sonho de Jean Monnet, e o esboço de um Estado Federal parecia cada vez mais nítido.
Este ambiente, que Portugal não conseguiu sempre aproveitar, criou condições que todos consideravam estáveis e perenes: inflação controlada através de pequenos e suaves ciclos de gestão de taxas de juro, níveis de desemprego aceitáveis dentro de economias tendencialmente em crescimento, acesso aos mercados europeu e mundial, disponibilidade de matérias primas e a tecnologia com custos sempre mais baixos, estabilidade social e política invejável.
Mas de repente tudo parece estar em risco. A crise financeira e depois a pandemia obrigaram a experiências monetárias nunca vistas nesta dimensão. O mundo passa a experimentar taxas de juro negativas, o dinheiro no tempo não vale nada. Nesse contexto, a inflação que teve ignição na disrupção produtiva e de distribuição causada pela pandemia, encontra agora terreno fértil e argumento fácil dado pela guerra.
A guerra que na Europa parecia tão impossível, e a tensão em Taiwan demonstram que a globalização não terminou com os conflitos civilizacionais e geo-políticos e obriga-nos de novo a fazer escolhas. Surge uma nova expressão: a “desglobalização”.
Politicamente, alguns populismos populam por aí democracias que pareciam sólidas e esclarecidas. A Europa é colocada em dúvida. Como alguns afirmam, este parece ser um novo início da História. Mas nada ainda está verdadeiramente definido, e as regras do novo jogo ainda não são conhecidas. Como nunca, temos de estar atentos.
A Foreign Affairs, uma revista de excelência sobre relações internacionais, baptizou no seu número centenário o momento em que vivemos: A Era da Incerteza.