Este texto aborda a caminhada que agora fazemos em conjunto. É sobre o caminho entre o Vírus Covid19 e a expressão “Vai Ficar Tudo Bem”. É sobre interpretações e sobre palavras.
“Ficar tudo Bem” significará que aparecerá um tratamento ou vacina que viabilize a retoma, na plenitude, a uma vida normal. Talvez tenha sido isto que as crianças italianas quiseram expressar ao mundo. Apesar de tudo, esta é apenas uma possível interpretação.
No entanto, nas circunstâncias em que vivemos, cada um de nós terá uma interpretação diferente. (…) Existem por isso variadas interpretações para o “Vai Ficar Tudo bem”. Por exemplo, no nosso concelho são vários os empresários e funcionários da restauração, hotelaria, negócios relacionados com turismo e outras empresas e entidades para os quais a caminhada até ao “Vai Ficar Tudo Bem” será incerta, demasiado longa e cheia de obstáculos.
Para aqueles que sofrerão com o desemprego ou com a descida dos seus salários esta já estará a ser e será, certamente, uma caminhada mais complexa e mais difícil. Outros farão a caminhada com o trauma de a terem sentido na pele, doentes, profissionais de saúde e de outras áreas que estão envolvidas directamente na “guerra” contra este difícil “ser” microscópico. Mas a caminhada mais longa estará destinada ao luto, à profunda tristeza que entra nos nossos corações aquando a perda insuportável e definitiva daqueles que mais amamos e que não podemos recuperar.
Para todos estes as ramificações internas desta experiência serão mais longas e fortes, provocadoras de dor, dificuldade e angústia. Para a maioria de nós este será apenas um momento que quebrou as nossas rotinas, que nos empurrou para os interiores das nossas casas e para o interior de nós próprios.(…) Importa reflectir profundamente sobre estas múltiplas experiências. E talvez seja através da reflexão que todos poderemos retirar algo de bom. Este longo caminho “oferece nos uma (in) tranquila possibilidade de reinventar o tempo e o espaço, e, com isso, experimentarmos uma alegre humildade diante do mundo”. Embora retiradas do seu contexto, as palavras poderosas de David Le Breton citadas pelo nosso Cardeal Tolentino Mendonça apaziguam a alma.
Podemos considerar que esta época pode ser uma nova caminhada de aprendizagem e sabedoria que nos “permite interrogarmo nos sobre nós próprios e sobre as relações que tecemos, mostra nos a alternativa e brecha na sombra compacta e férrea onde os dias colidem”.
Em suma, independentemente da nossa experiência, esta é uma altura para criarmos uma espécie de capacidade para nos olharmos de fora e de forma mais objectiva. Penso que pela primeira vez nas nossas vidas poderemos estar todos a sentir ao mesmo tempo a rotação do mundo, aquela sensação de que algo mudou, que, como numa série televisiva, estamos a passar de uma temporada para a outra.
Para todos os que sofrem e irão sofrer com esta nova temporada, com este novo caminho, fica o poder das palavras. É importante continuar mesmo quando as coisas estão difíceis, mesmo quando temos dúvidas. Estes momentos derrubam nos, continuar no chão é desistir. A esperança ou “Vai Ficar Tudo bem” é apenas a humilde expectativa de que amanhã será um pouco melhor do que hoje. (…)
Gostaria de dedicar este texto a todos os responsáveis, técnicos e auxiliares dos lares do nosso concelho.