Quem vê, ouve e lê muita gente por aí, fica com ideia que saberiam exactamente o que fazer em decisões imediatas a tomar durante uma pandemia. Da saúde a qualquer outra área, encontro especialistas a pataco sobre todos os temas dos dias que vivemos, cheios de certezas e verdades intemporais.
Confesso que não tenho manuais-de-certezas-absolutas-sobre-pandemias, muito menos bola de cristal para prever o que quer que seja nestes tempos.
Tenho, todavia, feito um esforço por ler e aprofundar pensamento do que tem vindo a ser feito noutros lados, noutros países, em muitos horizontes, sobretudo na partilha de inquietações.
A revista Economist tinha há semanas uma antevisão sobre as tendências deste novo mundo que a pandemia veio desvendar. Um mundo onde tudo acontece online, sentado ao computador, incluindo consultas médicas, desmaterializado, à distância, impessoal, virtual, remoto,…. um horror diga-se.
Aquilo que temos suportado durante este novo normal tem sido essa imposição de hábitos, na esperança de os ter apenas como temporários ou provisório… ora pensar-se nisto como definitivo será uma aguda dor de cabeça. Veja-se o Teletrabalho e as consequências que isso introduz para as empresas e trabalhadores se for assumido tornado em definitivo aquilo que agora conseguimos muito por “desenrasca”. A regulamentação está longe de acontecer de forma consensual e equilibrada. Mas sobretudo, como encaixar todo um mundo de regras não escritas, algumas delas até muito improvisadas? Como quantificar aquilo que significa “viver” a cultura do espaço de trabalho e da empresa?...não creio que tempo e espaço sejam conceitos indissociáveis e sem consequências.
Uma crónica que li no FT, dizia que estas desmaterializações que no futuro breve se antevê a acentuar, serão impeditivas de ambientes potencialmente mais inovadores, mais diversos e com maior riqueza de opiniões e experiências. Ou seja, exactamente o contrário daquilo a que se propunha a tecnologia...
O mundo está a mudar e nós costumamos mudar de pele com o mundo. Mas estas mudanças apanharam-nos a todos de supetão. A ideia de pessoas reais, com defeitos e virtudes, não nos deve abandonar. De pessoas de carne e osso, fora dos quadradinhos de computador onde se passa já demasiado tempo. Fora de contextos/mundos onde nos querem encaixar sem adesão à real dimensão do contacto humano. Seja nas empresas, nas escolas, nas instituições, na política…
Estes tempos incertos que se queriam temporários (maior do que pensaríamos) terão grandes sequelas, uma das quais, transformar em definitivo muita coisa que queríamos apenas provisória. Teremos nós inteligência colectiva para encontrar soluções que nos melhorem a vida? Sobretudo sem atirar culpas para terceiros, capaz de reconhecer erros a tempo de encontrar soluções. Vejo demasiada opinião pública encrespada e irracional.
As previsões de ano novo agora parece que duram todos os meses, com jornais e revistas a trazer todos os dias e a toda a hora, números, gráficos, tendências, metas,… mas teremos com isto capacidade de melhorar esse mundo que tínhamos e como o conhecíamos? Ou ficaremos reféns destes écrans todos e projecções imortais?... Precisamos de humanização para lá dos ecrãs. Das emoções e dos afectos, na socialização da família, na escola, no trabalho, nas visitas a museus, no teatro e nos espectáculos, nos concertos, seguramente nos restaurantes e nas viagens, e até no hospital…
Todos faremos falta na construção dos nossos dias futuros, na mesma encruzilhada do tempo, atravessados da mesma humanidade, pese embora não haja Manual de Pandemias…