Temos sido tão entretidos com as cerimónias fúnebres da Rainha e com outros fait divers que já pouco resta na memória dos terríveis incêndios que assolaram o nosso concelho.
Pacificamente (manipulados), vamo-nos entretendo, despedindo do Verão e preparando para uma nova época. Despedimo-nos da época balnear e despedimo-nos da época dos incêndios. A naturalidade com que se adoptou esta expressão, “época de incêndios”, sempre me incomodou. Se é verdade que a expressão, tanto num caso como no outro, se deve à necessidade de prevenção e segurança, também é verdade que há nela uma tendência de normalização da tragédia a cada início da estação quente, que não pode ser aceite como natural. Não é normal a dimensão do drama que se tem abatido sobre pessoas, bens e floresta nos últimos anos.
O que vivemos em 2017 e este ano bate qualquer record e deixa-nos a todos num estado de ansiedade que alguns já rotularam de ecofobia. De repente começamos a ter medo do Verão, do sol, do calor, a consultar ansiosa e antecipadamente as temperaturas com o medo da eminência de tragédia. A pouco e pouco parece que se vai desistindo de ganhar esta guerra.
O lema é: primeiro, defender a vida de pessoas e animais; segundo defender bens, e terceiro defender a floresta. Defender pessoas e animais significa tirá-las do terreno, alojá las longe do perigo e deixar arder. Por precaução, e também por impotência face à força do fogo, salva-se o mais importante, a vida, e deixa-se arder. É racional e lógico e temos que agradecer a coragem e determinação de bombeiros, forças de segurança, voluntários e a todos os que se envolvem na salvaguarda da segurança possível.
É verdade que não há varinhas mágicas nem soluções milagrosas, à esquerda ou à direita, para resolver a complexidade dos actuais incêndios florestais. As causas estão todas identificadas e os diagnósticos feitos: alterações climáticas globais, falta de limpeza de terrenos, má gestão do combustível, comportamentos errados, negligência humana e actos criminosos. Todos sabem que a estratégia passa em primeiro ligar pela prevenção.
Então, porque não se põe de uma vez por todas a prevenção a funcionar? Porque não se limpam terrenos, abrem caminhos e educam as pessoas para a necessidade de preservar a floresta e de nos preservarmos a nós mesmos?? Porque não se envolvem atempadamente todos os agentes da comunidade neste combate? Porque não têm as juntas de freguesia um papel fundamental na dinamização de acções de prevenção e limpeza da floresta
Porque se fica em suspenso, à espera das decisões de institutos, entidades, etc. para iniciar serviços que deviam ter começado “ontem”? Porque não se apuram responsabilidades no que se refere aos actos criminosos? O poder central tem a obrigação de definir linhas orientadoras de prevenção, combate (ao fogo e ao crime) e disponibilidade de meios. Mas é ao poder local que, pela proximidade ao problema, deve caber o poder de decisão e possuir os meios (financeiros, inclusive) para agir preventivamente.
Não pode limitar-se a, literalmente, “apagar fogos”! Já percebemos que a força dos fenómenos atmosféricos que se têm abatido um pouco por todo o planeta, é imbatível. Uma vez em curso, não há bombeiros, meios terrestres ou aéreos que o possam combater. Pode-se, no entanto, prever a sua ocorrência e controlar as circunstâncias em que ocorrem!
Então porque não se faz isso de forma efectiva e eficaz? Porque se esquece a tragédia a cada fim de Verão e só se volta a lembrar no Verão seguinte? Porque nunca se apuram responsabilidades? Porque não está em curso um processo sério de reflorestação? Já agora: que terra vamos deixar aos nossos filhos e netos??