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Cília Seixo

5 de fevereiro, 2021

Vacinação: Ética e a (I)Moralidade do Medo

Decidi escrever‑vos sobre o processo de vacinação em curso porque considero que todas as condutas ilegítimas de que temos tido conhecimento, mais não são do que um reflexo ou um sintoma de um medo profundo de perda de poder e de estatuto.

 

A vacina representa para todos uma luz ao fundo do túnel, um milagre que o engenho humano operou em muito pouco tempo e pode representar a salvação do nosso tão querido e desejado modo de vida (…de que antes nos queixávamos tanto).

 

 

Sendo a vacina o bem mais querido e desejado do momento, o acesso a ela representa a ventura máxima que neste momento o ser humano pode ter; antes, queríamos o último gadget, telemóvel ou carro; agora desejamos ardentemente a vacina.

 

Dirão vocês: comparar a vacina a um gadget??? Não tem comparação! Não, não tem! Mas aqui, o que importa é o que ela representa; e neste momento ela representa o topo de gama de todas as coisas desejáveis! Não quero com isto desvalorizar a importância da descoberta da vacina, obviamente.

 

Mas quando vejo pessoas que ultrapassam todos os critérios definidos em termos de prioridade no acesso a ela, quando vejo órgãos sociais de associações de bombeiros, IPSS, Misericórdias ou órgãos autárquicos, darem o golpe na fila dos prioritários, como se desconhecessem o seu lugar na ordem das prioridades, quando vejo o guarda chuva que abrem para família e amigos, a única coisa que percebo é a necessidade e a ânsia de ser o primeiro a tê‑la, o desejo de, no meio de todos os outros, ser chamado, convidado a passar à frente, e depois publicar nas redes sociais já tenho a vacina, porque isso lhes consagra estatuto e poder que os outros, simples mortais, não têm!

 

E é aqui que entra a ética; aqueles que estão na frente destas instituições foram eleitos ou nomeados, porque lhes foi reconhecido mérito, credibilidade porque neles depositaram a sua confiança; não são pessoas simples, desconhecedoras da realidade, ou do que é certo ou errado; são pessoas que, exactamente por terem sido escolhidas, deverão corresponder às expectativas e serem exemplos e modelos de ética, de actuação justa.

 

Mas então, porque não o são, perguntam vocês? Porque se sente vergonha social de ser igual, porque se acredita que se cheguei aqui, tenho que fazer valer o meu estatuto, tenho que ser mais importante; ora, serei reconhecido como tal se fizer o favorzinho, se atender ao pedido, à cunha; ou seja, o reconhecimento do poder e do estatuto resulta de abrir o guarda chuva e abrigar alguns, mesmo que o guarda chuva seja pequeno.

 

É no fundo uma troca: aquele que tem o poderzinho abre o guarda chuva para alguns, e esses, por sua vez, reafirmam o poder e o estatuto de quem tem o guarda chuva! Um ciclo vicioso que atravessa toda a nossa cultura e sociedade e está presente em todas as hierarquias sociais. Quem tem o guarda chuva, exactamente porque o tem, porque ele lhe foi confiado, devia perguntar‑se: se abrigar alguns, o resultado será bom para todos? Todos podem brigar os amigos sem que daí venha mal ao mundo? Se a resposta é não, então não o devo fazer e não faço! Mesmo correndo o risco de não ser popular ou do meu guarda chuva ficar vazio. Mas para isso, não se pode ter medo de ser um simples mortal.

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