Em consequência da crise resultante da pandemia Covid-19 a União Europeia aprovou a criação de um Fundo de Recuperação com o objectivo de ajudar os seus Estados-Membros a “alavancar a recuperação económica da mais grave crise que a União Europeia enfrentou, e de assegurar a recolocação da Europa na vanguarda da sustentabilidade e da inovação tecnológica, motores de um futuro mais resiliente para os cidadãos europeus”.
Portugal foi o primeiro Estado-Membro da União Europeia a concretizar a entrega da versão final do Plano de Recuperação e Resiliência (a chamada “bazuca europeia”) e no passado dia 16 de Junho, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou a aprovação do PRR português, que assim foi o primeiro país a ter o seu plano aprovado.
Este PRR português tem previsto um período de execução até 2026 e será financiado por recursos totais de 16,6 mil milhões de euros, distribuídos por 13,9 mil milhões de euros de subvenções e 2,7 mil milhões de euros em empréstimos.
Está organizado em 20 Componentes que integram 37 Reformas e de 83 Investimentos, que estão agrupadas no PRR em torno de três dimensões estruturantes: a Resiliência, a Transição Climática e a Transição Digital.
Das muitas questões que podem ser suscitadas sobre este PRR faço dois breves comentários relativos ao seu conteúdo e à sua execução.
O PRR baseado nas três referidas dimensões vai, por exemplo, na dimensão Resiliência criar 35 novas unidades móveis para cuidados de saúde primários para cobertura das regiões de baixa densidade; alargar a Rede Nacional de Cuidados Continuados com 5.500 novas camas de internamento; alargar a Rede Nacional de Cuidados Paliativos, com 400 camas de internamento de menor complexidade até 2024; requalificar ou adaptar 326 edifícios para aumentar eficiência energética.
Na dimensão Transição Climática, por exemplo, 936 milhões de euros vão para o aumento das linhas de metro de Lisboa e Porto. Tal como na anterior dimensão, na realidade estas são obras públicas já previstas, nada relacionadas com o Covid-19, nem com a criação de novas condições de desenvolvimento.
Na dimensão Transição Digital o Estado português vai, entre outras medidas, adquirir 260 mil computadores de uso individual, para alunos e professores; formar 800 mil pessoas em competências digitais com planos de formação individual e acesso a formação online; promover a transição digital das empresas, requalificando 36 mil trabalhadores e apoiando 30 mil PME.
Todos estes investimentos são relevantes, mas não seriam já necessidades a que o Estado deveria responder? O que verificamos em muitas destas medidas é que se trata de um financiamento ao Estado português para obras ou necessidades há muito identificadas e não realizadas.
Verifica-se também neste PRR que muito do financiamento se destina ao Estado, ou para grandes empresas (ex. hidrogénio e renováveis) e que são insuficientes os mecanismos para apoiar efectivamente o tecido empresarial, em especial as PMEs.
Problemas estruturais de Portugal como a justiça, ou o sistema fiscal, que são factores identificados como justificativos da nossa dificuldade em criar uma economia competitiva, não são abordados neste plano.
Além do conteúdo, igualmente importante para o sucesso do PRR será a sua gestão e execução. E nesta matéria Portugal não tem conseguido uma boa execução dos fundos estruturais da União Europeia que lhe foram atribuídos. Verifica-se que a estrutura administrativa portuguesa não consegue obter uma eficiente execução dos fundos europeus.
Os projectos financiados pelo PRR vão ter prazos de execução muito curtos, nalguns casos de apenas um ano, o que pode dificultar a execução do PRR. Se for necessário alterar um PDM, ou um plano de pormenor, de modo a permitir a execução desse projecto financiado pelo PRR não vai ser possível executá-lo em tempo útil.
Em matéria de Contratos Públicos, consciente da dificuldade que existiria para a execução do PRR sempre que fosse necessário utilizar o Código dos Contratos Público devido à sua morosidade e complexidade, foi necessário aprovar muito recentemente a Lei n.º 30/2021, que veio criar medidas especiais de contratação pública e alterar o Código dos Contratos Públicos de modo a permitir aproveitar com maior eficácia o PRR, o que é esclarecedor sobre a dificuldade de actuação do Estado e dos agentes económicos nesta matéria.
Desde a adesão de Portugal à CEE que já beneficiámos de muitos milhões de euros a fundo perdido, que contribuíram para o desenvolvimento de Portugal, mas que poderiam ter sido muito melhor aproveitados quer na taxa de execução, quer em projectos estruturantes que efectivamente contribuíssem para criar condições para um desenvolvimento da economia portuguesa. Apesar dos milhões de euros recebidos da União Europeia, não conseguimos aproximar-nos ainda dos padrões de desenvolvimento médio da União Europeia
Questão fundamental que se deve colocar é a de saber, com a execução deste PRR, o que se pretende melhorar em Portugal, quais as alterações estruturais necessárias para contribuir para o país ganhar competitividade e assim aumentar o seu desenvolvimento socioeconómico, para que esta não seja mais uma oportunidade perdida.