Tinha imposto a mim próprio nunca falar sobre o novo corona vírus, o Covid ‑19, ou quando muito, só abordar o tema depois de passada a crise e os seus efeitos. Mas já não há como não falar dele, afogados numa avalanche de informação lacunosa e divagante, acerca de um assunto do qual pouco ou nada sabemos. Quando é assim, aparecem logo dezenas de teorias da conspiração, e há‑as para todos os gostos. Não sabemos quais as verdadeiras ou falsas, ou se alguma explicação racional poderá resultar da conjugação de todas. Não sou muito dado a este tipo de especulações, mas eu próprio também me vou entretendo a desmontá‑las e a tentar arranjar as explicações que ninguém consegue dar.
Desde as de índole macroeconómica, para justificar uma grave crise recessiva, que já se indiciava e teimavam em ignorar, à profunda alteração de interesses ideológicos, políticos e geoestratégicos, que colocam em causa o nosso modo de vida, o futuro da União Europeia e do mundo, que não sabemos como e se conseguirá resistir, veja‑se agora com a imposição das limitações ao tráfego e à circulação e ao encerramento das fronteiras. E no meio de tudo isto, enormes lacunas de informação, e coisas muito mal explicadas. Um vírus que se propaga de modo exponencial e pode infectar 70 ou 80 por cento da população, eliminando os mais debilitados e os mais velhos. Parece que este vírus desempenha na íntegra uma função de equilíbrio na selecção natural da espécie humana. Não são precisas guerras. Há algo de trágico e darwiniano nisto tudo.
E sem querer colocar em causa elaboradas teorias científicas como o efeito borboleta, ou do princípio da incerteza e das curvas de indeterminabilidade de Heisenberg, um dia alguém nos há‑de explicar, muito bem explicadinho, como é que toda esta confusão começou por causa de na outra banda do mundo um chinês ter comido um morcego cru. Por outro lado, como nem tudo é mau, ao mesmo tempo que nos damos conta destas insuficiências e destas desgraças, em poucos dias logo se verificaram efeitos positivos, ao nível das reduções dos níveis de CO2 e da poluição atmosférica. Só para dar um exemplo.
A verdade é que não estávamos, nem estamos preparados. Há várias dezenas de anos que temos ignorado ostensivamente os sinais e avisos que nos vinham sendo dados. Países, estados, governos, toda a humanidade, não ligaram nada às questões do buraco do ozono, ao efeito de estufa e ao aquecimento global, à poluição dos mares e oceanos, à desflorestação desordenada e devastação da fauna, ao derretimento das calotes polares, aos movimentos migratórios e crise dos refugiados em ambos os continentes. Cenários pós‑apocalípticos que julgávamos do domínio da ficção, ou dos relatos bíblicos de antanho, entraram pelas nossas vidas dentro e condicionaram‑na. Ainda no ano passado, no dia 28 de Julho, o planeta faliu esgotando por completo os seus recursos naturais. Passámos a viver a crédito porque já não conseguimos garantir a sustentabilidade da população mundial. Não ligámos nenhuma e não demos conta do recado. Acabámos a eleger loucos para liderar as grandes nações, a soldo de lobbies e interesses sem escrúpulos, que negam o aquecimento global, não respeitam os protocolos e convenções internacionais ao nível do ambiente, que até rasgaram, etc..
Que queremos agora? Todas as desgraças aconteciam longe das nossas portas e nada nos iria afectar tão cedo. Dizíamos displicentemente, que já não iríamos ver isso, que já não estaríamos cá, que os vindouros se amanhassem. Pois agora aí temos a confirmação de que afinal as coisas não são como pensávamos. E estamos a senti‑lo na pele.
A vida do planeta e no planeta, está mesmo posta em causa. É tempo de arrepiar caminho, modificar os nossos comportamentos e atitudes, respeitar a humanidade e o planeta, se quisermos ter futuro, porque o futuro está na própria humanidade.
Boa quarentena para todos.
P.S.: Ao concluir esta crónica acompanhámos o debate em que foi decretado o estado de emergência para o país. A suspensão e limitação de alguns direitos fundamentais, não implica o da liberdade de imprensa e de opinião. A nossa democracia e a nossa cultura democrática continuam bem vivas e a funcionar em pleno. Felizmente.