Desdes sempre nos habituámos ouvir que somos um país mais atrasado que os outros, que lá fora não se passa nada disto, etecetera e tal. Se usarmos a mesma bitola cá para dentro, é também usual e costumeiro ouvir‑se, que o país é Lisboa e o resto é paisagem, que o problema é a demasiada centralização, e que o interior é permanentemente esquecido. Não obstante acessibilidade novas tecnologias da informação e às redes sociais, é o que acontece. E são exemplos disso:
1. Os abusos ‑ de menores dentro da igreja, e os casos de corrupção. De ambos se chegou a dizer, que por cá não existia nada disso e eramos um paraíso. Foi apenas uma questão de tempo, como se viu, apesar de muitos o terem tentado negar, até ao fim. Faz parte da nossa tradição cultural, esta permanente tendência para a procrastinação. E tal como se vislumbrava, ao abrigo dessa tendência, a maior parte dos casos, há muito que estão mais que prescritos. E isto foi apenas uma ínfima parte do que se ficou a conhecer. Se houvesse um rigoroso escrutínio a tudo que se passou ao longo dos anos, nos seminários menores, em regime de internato, para não falar de outras instituições, mais se descobriria e diria. Por muitas desculpas que se peçam e perdões se concedam, jamais se esquecerá o mal, a dor, o trauma e o sofrimento, infligidos a todos os que deveriam ter sido especialmente protegidos, e não o foram. Não há lugar para actos de contrição salvíficos.
2. A corrupção e favorecimento – apenas mais dois casos flagrantes, que existem, como sempre existiram, e apesar de ressaltarem à vista de todos, deles não se fala ao nível do concelho e da freguesia, ao contrário do que sucede por este país fora. Somos pródigos em comentários de crítica e maledicência, mas tudo não passa de conversas de café. Quando se trata de denunciar ou insurgir, enterramos a cabeça na areia e nada se diz, nem se faz, com a cobarde justificativa, de que “não vale a pena, porque um dia pode ser que ainda precisemos deles”. E eles lá vão trabalhando, e muito, para ocultar a verdade dos procedimentos, deixar passar o tempo de arrefecer os ânimos, depois de tudo se esquecer e prescrever, que é a fórmula mais simples de se “inocentarem” criminosos encartados. Políticos a ocuparem cargos durante o período estritamente necessário para salvaguardarem os seus interesses pessoais, para depois darem de fosques sem mais aquela, furtando‑se a responsabilidades. O que se passou com as negociatas das concessões de exploração das pedreiras, a manipulação dos planos, dos índices de ocupação e construção em zonas rigorosamente determinadas, a alienação dos terrenos públicos, os contractos obscuros outorgados pela junta de freguesia, são tudo escândalos de primeira apanha, que passam sem que ninguém se insurja. Quanto à oposição, que no que concerne a estes assuntos, já se viu estar completamente comprometida, e, portanto, corrompida, quanto mais não seja, por nada terem feito e deixado passar. Até hoje, não denuncia‑ ram um único facto, não suscitaram qualquer incidente, não impugnaram, nem recorreram do que quer que fosse. Perante tais evidências, não precisamos de dizer mais nada.
3. Arrendamentos compulsivos – Lembro‑me, no início dos anos 80 do século passado, de um frente a frente entre Mário Soares e Mota Pinto, em período pré‑eleitoral, antes da constitui‑ ção do governo “geringonço” do bloco‑central. A páginas tantas, Soares começou a falar da lei das rendas, o que fez com que Mota Pinto quase saltasse da cadeira, tirando‑o do sério: “Eu nem queria falar dessa lei, que é uma lei péssima, mal feita, inaplicável, e não protege nem inquilinos, nem senhorios”. Com o devido respeito pela memó‑ ria dos saudosos contendores, quarenta anos depois, estamos mais ou menos na mesma. A este respeito, nenhum dos partidos que até hoje governaram (PS – PSD – CDS), têm idoneidade moral para criticarem o que quer que seja. Tenham uma boa quinzena