1. Costa nunca pensou que iria ganhar as eleições de 2022, e muito menos com maioria absoluta. Foi algo de inédito, mas aconteceu. Claro que houve motivos que o explicam. O receio e cansaço pós-pandémico e a necessidade de estabilidade à saída de uma crise sanitária, económica e social, entre outros. Todo um rol de factores a que acresceu a guerra na Europa. Bem vistas as coisas, cá como lá fora, as coisas não estão assim tão diferentes. Desde as convulsões pós Brexit, do Reino Unido, com 3 primeiros-ministros em pouco mais de um mês, ao que ocorre em França, e um pouco por todos os países da UE, onde a maior preocupação é, sem dúvida, a ascensão de movimentos negacionistas e populistas de extrema direita. Espectro ideológico que julgávamos definitivamente afastado da nossa realidade. Perante este cenário, Costa deparou-se com o mesmo problema que aflige todos os partidos políticos. Não tinha equipa. O partido estava esvaziado de gente idónea e competente, ao mesmo tempo que vulnerável a todo o tipo de compadrios e disputas internas. Amanuenses da política, como lhes devemos chamar.
2. Marcelo, enquanto constitucionalista, sabe melhor que ninguém, que não pode, nem deve, convocar eleições antecipadas, que levem à demissão do governo. Por muito desastrada que esteja a ser a governação, e tem sido, a verdade é que do ponto de vista formal, ou jurídico-constitucional, se quiserem, Marcelo não tem por onde pegar. Por outro lado, nunca se arriscará a ficar na história como o primeiro Presidente da República a dissolver um parlamento legitimamente eleito com uma claríssima maioria absoluta. Abriria um caprichoso precedente. Para além disso, da parte da oposição não se vislumbra nenhuma alternativa credível. É ele próprio quem o afirma. E a hipótese, meramente hipotética, de uma demissão em consequência do resultado das eleições europeias - 2024, é outra falácia sem a mínima sustentabilidade. Tratam-se de realidades distintas. Um barómetro e nada mais que isso. Por último, Montenegro não vence, nem convence. Não o conseguiu até agora, nem sequer internamente. Foi uma terceira escolha, quando já não restava mais ninguém. É a versão, em modo fleumático, do obstinado e irascível Pedro Nuno Santos. Assim, enquanto Costa desespera e Marcelo exaspera, iremos aguentar, não até 2026, mas até que a Costa seja garantido, um cargo internacional, à semelhança do que aconteceu com outros: Durão, Guterres, Sampaio, Vitorino, só para nomear alguns. Mas com poderes executivos, onde ele possa fazer coisas, como ele diz que gosta de fazer. Ninguém se deverá surpreender com isso. Por isso mesmo é que se está na política.
3. Transpondo este raciocínio para o nosso poder local, algo de idêntico se tem passado. Num esquema muito bem urdido, entre as cúpulas do PS e PSD concelhios, mais a influência lobística de determinados grupos, desde 2011 até ao presente, assistiu-se a uma deliberada conjugação de sinergias, com vista a secar por completo o PS, e conduzir o PSD à maioria absolutíssima. A partir daí, manipularam a seu bel prazer todos os sectores de interesses, colocando pessoas de confiança nos lugares-chave, desde assessores e chefes de gabinete, à direcção e presidência de organismos e instituições. Com uma eficiente estratégia de abandonos, desistências, mudanças de cadeiras e de pelouros, das obras públicas, das adjudicações directas, do ambiente, do urbanismo, assim se gizaram estratégias abrangendo todo o tipo de negócios: planos, projectos e loteamentos; águas; pedreiras; novas zonas industriais, contempladas com elevados montantes dos fundos do PRR. Onde, em escassos dias de Agosto, de modo conveniente e estratégico, arderam as áreas circundantes. Cada um que tire as ilações que quiser. Nós tiramos as nossas.
Tenham uma boa quinzena.