Volta e meia, alguém se lembra de dizer e falar acerca da especificidade de Fátima. Até à data, porém, ainda ninguém especificou em que consiste essa especificidade. Dito deste modo, o termo é tão vazio inócuo como qualquer outro. Acaba por ser mais uma generalidade, do que uma especificidade. A utilização do termo, ou conceito, é recorrente de cada vez que um evento ou acontecimento impactante ocorre por cá e nos afecta a dinâmica do quotidiano, sejam peregrinações de âmbito internacional, visitas papais, ou a pandemia em que nos encontramos atolados.
Façamos então, uma tentativa de esclarecer alguma coisa acerca disto. Quando tanto se fala da dita especificidade, estamo‑nos tão só a referir ao antigo lugar da Cova da Iria, e especificamente ao sector da hotelaria, restauração e comércio, dependentes directamente do fenómeno religioso, que encontra no Santuário o seu elemento catalisador, e nada mais do que isso. Toda a restante freguesia, que ainda é grande, é pura e simplesmente ignorada. Esta nefasta tendência para a absorção e fusão da freguesia em um único lugar, cria afastamentos e desequilíbrios, que não são de
todo desejáveis e devem ser evitados.
Lembro‑me de isto ser assim, desde a mais tenra infância. Os da Cova da Iria eram diferentes dos outros, já eram citadinos, mesmo quando Fátima ainda não passava de uma pequena aldeia. Isso é um erro e uma injustiça, que como tal deve ser prontamente denunciada e combatida. Quando nos focamos apenas nos problemas da Cova da Iria, estamos a ignorar completamente todos os restantes lugares da freguesia, a encolher os ombros a tudo o que demais se passa, e a permitir que a cobro da mais pura leviandade e negligência, se cometam os mais nefandos atentados ambientais, como é o caso do que se está a passar com o exagero nas explorações das pedreiras nos limites da freguesia. E tudo isto, nas barbas da população, à descarada, sem que se conheçam planos e critérios, com concursos
duvidosos lançados em plena situação de crise pandémica, sem que se proporcionem as mínimas condições para a realização da devida discussão pública. Aconteceu em Agosto, e tratou‑se de uma pouca vergonha, a par de outras que se querem levar a cabo, como é o caso da desafectação de caminhos públicos centenários e da alienação dos terrenos baldios.
Vem ainda tudo isto a propósito, porque para desviar as atenções e dourar a pílula, a CMO veio com a ideia peregrina dos vouchers turísticos, das duas noites pelo preço de uma e um cheque de desconto para consumo em bares e restaurantes da cidade. Confessamos que não nos fiamos na bondade desta estratégia. Trata‑se de uma mera manobra pré‑eleitoralista, a merecer o devido elogio, previamente encomendado, por parte de Marques Mendes, no seu espaço de comentário televisivo, onde prodigamente costuma debitar o seu imenso chorrilho de opiniões e lugares comuns. E ainda menos confiamos na dita bondade, quando ela é discriminatória e desigual, privilegiando um específico sector de actividade, em detrimento de todos os outros, seja na freguesia, seja no concelho. À oposição, claro está, tudo passa ao lado. Parece que andam a dormir.
Boa quinzena, bons (des)confinamentos, e cuidem‑se.