1 ‑ Ainda não sabemos como, nem quando iremos sair desta, mas é mais que certo que nada ficará nem continuará como dantes. Nem pode, o que nos vai obrigar a muitas reflexões. Há vinte anos atrás, naquele fatídico 11 de Setembro de 2001, o mundo assistiu incrédulo ao ataque das torres gémeas em Nova Iorque, em que pela primeira vez na história, os Estados Unidos eram atacados no seu próprio território a partir do exterior. Isso causou lhes uma enorme paranóia, que depois se estendeu reflexamente um pouco por todo o mundo ocidental. Depois aconteceram os atentados no metro em Londres, na estação de Atocha em Espanha, e noutros lugares da Europa, a potenciarem ainda mais esse sentimento de insegurança. Enquanto isso, as notícias e imagens que nos vinham das guerras e flagelos que grassavam pelo terceiro mundo, dito subdesenvolvido, e das suas enormes carências ao nível sanitário e de todo o tipo, deixaram de nos impressionar e sugestionar. Continuámos a viver tranquilamente, conformámo nos encolhendo os ombros e depressa nos habituámos, pensando que essas coisas só aconteciam aos outros e lá longe fora de portas. Estaríamos por isso sempre salvos, nada nos aconteceria, e os governantes que resolvessem esses assuntos, porque eles é que sabiam. Abstivemo-nos, desvalorizámos e desresponsabilizámo-nos. Até que um dia vimos que não eram apenas ameaças, e que a desgraça se estendia e chegava rapidamente à nossa porta. Por fim, fomos todos obrigados a tomar consciência de que tudo o que se passa no mundo, não diz respeito apenas aos tais que nos governam, em que displicentemente delegávamos todas as decisões, mas a todos, e que estamos todos no mesmo barco. O planeta, há muitos anos, há várias décadas, que estava em estado de emergência, mas ligávamos peva. Terá sido preciso isto?
2 ‑ Uma das consequências directas a que estamos a assistir nesta nova e gravíssima crise, é à emergência de uma nova ordem mundial. Há muito vislumbrada e cada vez mais evidente, opera-se uma deslocação geoestratégica do eixo do atlântico norte (EUA e Europa) que Donald Trump há muito vem desvalorizando, para a zona do indo pacífico, com especial preponderância da China. Têm, aliás, estado à vista as incursões e movimentações das forças armadas e marinha desse país, em várias ilhas e territórios do Pacífico, no mar da China. Mas não nos esqueçamos também desse outro grande país asiático, a Índia, até aqui relativamente sossegado, que segundo as previsões, ultrapassará a China ainda no decurso da presente década, inclusivamente em termos populacionais. E se juntássemos o Paquistão e o Bangladesh, que só por motivos religiosos se separaram aquando da independência e criação da União Indiana, então já há muito a tinham ultrapassado. A Índia é a maior democracia do mundo, e independentemente das suas imensas assimetrias, tornou se numa potência nuclear, industrializada, e altamente avançada e inovadora em certos sectores; ao contrário da China, que num turbo capitalismo desbragado, praticamente se limita a piratear tudo o que é patente e métodos de fabrico. Temo que a Europa não consiga resistir a este embate. Não é nada desejável, como é óbvio, mas desta vez deixa nos bastante apreensivos. A acontecer não será uma coisa instantânea, mas gradual, o que porventura nos deixará algum tempo para nos repensarmos, sob pena de deitarmos tudo a perder. São necessários amplos consensos. Não levarão a mal se deixar aqui referido o meu pensamento e a minha manifestação de interesses, mas a solução que antevejo para a Europa em termos de futuro, para as próximas décadas, até ao final do século e daí em diante, é buscar uma solução federalista, sob pena de se assistir a um recrudescimento dos populismos e nacionalismos extremistas, que a irão afundar de novo como aconteceu no passado, mas desta vez definitivamente. Porque a Europa e as suas instituições, parecem ter se imobilizado e cristalizado numa espécie de nomenclatura burocrática, nas últimas duas décadas, à semelhança do que acontecia nos antigos regimes de leste, autoritários e pouco transparentes, que tanto criticávamos. A Europa, para se fortalecer, vai ter que se repensar e federalizar, inevitavelmente, sob pena de desaparecer de vez. Não é nenhuma tragédia, são os novos tempos que assim o determinam. Continuação de boa quarentena.