1. Confesso o meu enfado perante o miserabilismo da nossa política, que vai desde a própria classe a jornalistas e comentadores, manifestamente tendenciosos a soldo de interesses e lobbies interessados em que as instituições claudiquem. As recentes Comissões Parlamentares de Inquérito são exemplo do pior que temos no parlamento, no governo e na comunicação social. Ninguém percebe do que aquela gente fala, nem do que andam a fazer, do interesse e importância que aquilo tem, de quem telefonou a quem, a dizer o quê, a mando, a pedido ou por sugestão de quem. Com promessas de sopapos pelo meio, arremesso de triciclos contra portas de vidro, roubo de computadores com informação classificada, indemnizações, devoluções, aviões e cabos submarinos. Que grande confusão para ali vai.
2. Sobre aeroportos e aeronáutica, nem sequer me pronuncio, porque nada percebo. Apenas a constatação de que há mais de cinquenta anos se discute a localização de um aeroporto para Lisboa. Discussão eternamente adiada e interrompida, sem final à vista. E estamos só a falar da localização. Tudo o resto virá depois, para mais não sei quantos anos ou décadas. Por isso, não alimento qualquer esperança em apanhar nenhum voo a partir dessa infra-estrutura. Que agora até poderá ser em Santarém. De modo quase instantâneo, lá apareceu este lobbie fortíssimo, a afastar de imediato a hipótese de Tancos, de que também se chegou a falar. Arautos muito bem encomendados, com vastos conhecimentos na área, informados de tudo o que são relatórios de impacto ambiental, rotas, acessibilidades e tudo o mais, vieram pronunciar-se favoravelmente. Falar de um novo aeroporto para Lisboa, enfim, não os impede de tergiversarem sobre as conveniências para Fátima. Se estivéssemos a discutir um aeroporto que servisse toda a região centro, e Fátima por inerência, então, o único comentário que me surge, é de que desde há muitos anos se fala da hipótese de abrir Monte Real à aviação civil; que ao que parece reúne todas as condições, e onde, se não estou em erro, já aterraram pelo menos três Papas. Não consta que tivesse sido em Tancos, nem em Santarém.
3. Outro enfado, é o do hipotético cenário da dissolução do parlamento e convocação antecipada de eleições. Sendo que, aqui, estamos curiosos de saber mais acerca deste absoluto ineditismo. De um PR poder vir a dissolver um parlamento e fazer cair um governo, democraticamente eleitos por uma larguíssima maioria absoluta. A suceder, sê-lo-á pela primeira vez na história da nossa democracia. Que argumentos e fundamentos de ordem jurídico-constitucional serão invocados? O da desregular disfuncionalidade das instituições? Não nos façam rir. Alguma vez funcionaram como deve ser? De há muito que sabemos, que Marcelo se pela para, antes de terminar o mandato, deixar no poder um governo que seja da sua área política. Nisto parece querer seguir as pisadas de Mário Soares, qual macaquinho de imitação. Ele próprio já o admitiu, em uma daquelas entrevistas que gosta de dar e falar demais. Vai daí, perante a liderança sem projecto, do imberbe Montenegro, resolveu vestir a camisola partidária e assumir claramente a liderança da oposição ao governo. Depois veio também Balsemão dar uma ajuda. Patrão da comunicação social, decano militante e único fundador sobrevivente do partido, recentrou o discurso e as aspirações eleitorais do PSD, pugnando por uma vitória clara nas europeias de 2024, repudiando quaisquer coligações com a extrema-direita, e disputando o eleitorado do centro-esquerda (do PS, claro), invocando para tanto a original matriz social democrata de 74/75. Quiçá por estarmos em vésperas do cinquentenário da revolução. A pretensão, aliás, não é nada difícil de alcançar. Já estamos todos fartos e cansados do Costa, como antes nos cansámos e fartámos de Cavaco. E por falar nele, o próprio resolveu vir escavacar tudo, com um discurso pautado pela infelicidade pragmática que o caracteriza, a querer levar o actual líder do PSD ao colo. Um desprestígio e quase uma desautorização. Ora, com este tipo de apoios, difícil será, que Montenegro não venha a ser primeiro-ministro. Mesmo que obtenha uma vitória sofrível e longe de uma maioria absoluta. Quando é que isso acontecerá e quanto tempo durará esse governo, que se prefigura frágil e periclitante, cá estaremos para ver.
Tenham uma boa quinzena.