Tanto quanto se saiba, não se conhece nenhum registo histórico do primeiro acto de corrupção praticado. Mas sabemos que teve que haver pelo menos duas pessoas: um corruptor e um corrompido. Um exemplo cultural e civilizacional mais recente, encontramo-lo no novo testamento, em que Judas traiu Cristo, por 30 sestércios. Acabou enforcado e descalço. Diziam que tinha escondido o dinheiro nas botas. Se bem que pela Galileia desses tempos, andassem quando muito de sandálias.
Há dias ouvi o arquitecto Souto Moura defender em uma entrevista, mais centralização e menos descentralização. Pelo menos no que dizia respeito aos grandes projectos em termos de arquitectura e urbanismo, porque, dizia ele, estar-se-ia menos permeável aos esquemas de corrupção, especialmente no que respeitava às câmaras municipais e respectivos sanguessugas, desde presidentes e vereadores, a gabinetes de estudos de impacto de todo o tipo, englobando empreiteiros, subempreiteiros e construtores. A nossa câmara municipal tem sido um exemplo paradigmático disso mesmo. Os exemplos são evidentes e mais que muitos, vindos desde os anos 80 do século passado, pelo menos. Foi assim que enriqueceram, à custa de recebimentos por fora, para consentirem que se fizessem um sem número de ilegalidades, ao nível urbanístico e ambiental. Por isso, levou tanto tempo a que o primeiro PUF surgisse. Porque, enquanto não existisse, tudo se poderia permitir, desde que lhes pagassem devidamente. Conhecemos bem, por que sentimos na pele, essas práticas de estelionato, levadas a cabo pelos que controlavam as decisões dentro da CMO. Infelizmente, tais práticas por lá continuam, através dos mais variados expedientes, desde o controlo das associações culturais e recreativas, a clubes desportivos, em que essas instituições são utilizadas como plataformas de ascensão social e política, com inerentes concessões de favores.
Utilizando os mais mirabolantes esquemas para sacarem o mais que podem dos impostos, derramas, dos fundos europeus e demais dotações do estado, vão gastando exorbitantemente em projectos megalómanos e inexequíveis, que depois jazem nos armários e prateleiras, mas com que bem se têm sabido abotoar. Eles foram teleféricos; elevadores, túneis e passadiços de São Sebastião até ao castelo, metros de superfície, centros de congressos, eu sei lá. Também como já se viu, hospitais, quartéis e outras infra-estruturas, tardarão em ver a luz do dia, se é que alguma vez se irão fazer. Enquanto passeios e bermas, nas nossas estradas e avenidas, ficam por fazer e manter, como é visível pelas artérias da cidade, com o piso esburacado e em estado lastimável.
Dito isto, o novo PUF entrou em vigor no dia 25 de Janeiro deste ano. Não vamos insistir no que não nos cansámos de escrever a respeito dos favorecimentos, compadrios e clientelismos que lhe estiveram subjacentes. Finalmente, os factos falaram por si. Menos de três meses após a entrada em vigor, de uma penada, foram negociados por atacado, uma série de imóveis, alguns deles com duvidosas situações pendentes, do ponto de vista legal e urbanístico, que só a partir de agora poderão ser devidamente “colmatadas”, como se diz no novo PUF, agora em vigor. Não se tem falado em outra coisa. É mais que evidente, que nos encontramos perante mais um esquema de compadrios e favorecimentos, com o consequente branqueamento de capitais, de duvidosa proveniência a montante e a merecer ser investigada. A dois anos das autárquicas de 2025, já se está mesmo a ver qual vai ser o filme.
Tenham uma boa quinzena.