1.“O Inferno são os outros”, disse JP Sartre, nos anos 60 do século passado. Há menos de dois anos, o mundo era abalado por uma guerra de dimensões planetárias contra um vírus invisível para o qual não estávamos preparados. Decretaram-se estados de emergência, estados de calamidade, confinamentos, restrições à circulação, proibiram-se ajuntamentos, impôs-se o distanciamento social, paralisaram-se indústrias, comércio, serviços e sectores de produção. Grandes metrópoles de milhões de habitantes ficaram com as ruas completamente desertas, e o mesmo em vilas e aldeias. Os carros deixaram de circular e os aviões deixaram de riscar os céus. Quase tivemos a sensação de regressar ao primitivo estado de natureza. Ninguém escapou. A pandemia alastrou por todos os continentes, até às mais remotas ilhas do Índico e do Pacífico, do arquipélago de Tonga às dispersas e isoladas ilhas da Micronésia. Só escapou a Antártida, porque os pinguins, apesar de bípedes, não fazem parte do género humano. Houve centenas de surtos, passámos a usar máscaras (que davam uma falsa sensação de segurança, como inicialmente foi dito), colocámos acrílicos nos balcões de atendimento e nas mesas dos restaurantes, fomos inoculados, uma, duas, três vezes, em outras tantas vagas. Mas a vacina não impedia o contágio. E muita informação lacunosa e contraditória, do diz que que disse. Habituámo-nos, deixámos de ligar, interiorizámos que o vírus veio para ficar, mais um no meio dos milhões de vírus e bactérias existentes desde que à vida no planeta. E passou a ser mais uma doença de que se morre. Se já não se lembram, a primeira vacina descoberta foi a Sputnick (russa), e depois a chinesa. Mas ninguém as quis, e nunca chegámos a saber bem porquê. E desses países, passaram a circular cada vez menos notícias acerca da pandemia e de outras coisas. Desencadeou-se uma guerra acerca das patentes, e ficámos a saber que os estados estavam nas mãos e dependência dos grandes lobbies da indústria farmacêutica. Glorificou-se a ciência, pelo facto da descoberta de uma vacina em tempo record. A humanidade estava salva, finalmente. Foi sol de pouca dura.
2. Assim que nos julgámos aliviados, novo conflito se desenhou no horizonte e nova guerra eclodiu. Mas desta vez na europa. É fácil juntarmo-nos ao imenso cortejo de indignados, numa espécie de maniqueísmo institucional, como se a razão estivesse apenas de um lado e a culpa do outro. Reagimos de imediato, epidermicamente, às notícias que nos chegam, sem nos interrogarmos acerca da origem e dos meandros, sem saber, nem querer saber, de como nos deixámos chegar até aqui. Para já, resulta mais que evidente, o absoluto falhanço da diplomacia e de todos os seus canais, de uma forma tão obstinada e ostensiva de parte a parte, que nos dá a impressão de tudo ter sido premeditado e propositado. Por outro lado, assiste-se ao deplorável espectáculo da comunicação social, especialmente das televisões, que transmitem de modo insistente, repetitivo e manipulador, as mesmas imagens chocantes, sem sequer cuidarem de apelar à especial sensibilidade dos espectadores. Apenas interessam as audiências, pouco se informa e menos se esclarece. Como quem queira mesmo, que a guerra mundial deflagre a qualquer momento para a transmitirem em directo. Mário Soares, já em 2008 tinha alertado do perigo para a União Europeia, de a NATO querer incorporar a Ucrânia, em vez de se desenvolverem diligências para a sua integração na EU, que andou todos estes anos a assobiar para o lado e foi apanhada em falso. Agora, tenta-se aprovar a adesão da Ucrânia à EU, à pressa e com a pompa e circunstância de Versalhes, à boleia da presidência francesa da EU, com Macron em vésperas de campanha eleitoral. Mas o país mais pobre da europa está longe de reunir o consenso e demais requisitos para se iniciar o respectivo processo de integração. E se a guerra continuar por muito mais, existe mesmo o risco de se tornar num estado inviável. A conflito bélico entre a Rússia e a Ucrânia, dura desde 2014, pelo menos, com dezenas de milhares de mortos. E nunca antes se viu, da parte da comunidade internacional, quem a defendesse do modo que agora o fazem, com o argumento de estarem em causa os valores civilizacionais da democracia ocidental. Há uma imensa hipocrisia nisto tudo. Mas dito isto, nada justifica que um estado soberano invada e ocupe o território de outro estado soberano, em clara violação das normas do direito internacional vigente, tal como aprovado e respeitado pelos estados e nações do mundo. Como comecei com um filósofo, finalizo com outro, citando o pessimista Thomas Hobbes, no seu Leviatâ: “A sociedade faz do homem, o lobo do outro homem”. Parece ser bem verdade. Que se alcance a paz, na Ucrânia e em todo o lado.