1. Há vinte anos atrás, em 2001, Sua Santidade o Dalai Lama iniciou um périplo por vários países, numa campanha de sensibilização para a questão do Tibete, entre outras. Nesse périplo veio a Portugal, onde era para ser recebido oficialmente com honras de Estado, pelo então PM António Guterres e pelo na altura PR Jorge Sampaio. Tal não veio a acontecer, para não ferir a susceptibilidade da China, que desde o início explicitamente se opôs e exerceu imensa pressão e influência através dos seus canais diplomáticos para que não sucedesse, e todo o cerimonial e protocolo foram cancelados. Não tendo a sua visita sido oficial, o Dalai Lama desvalorizou e veio na mesma e acabou por passar também em Fátima, onde foi ao Santuário. Na época, era reitor o Monsenhor Luciano Guerra, que com a visionária dimensão que sempre foi seu apanágio, o recebeu com a devida cortesia, e pelo bispo de Leiria‑Fátima, D. Serafim Ferreira. Uma vez no Santuário, esteve na Capelinha, onde meditou e orou pela paz no mundo. Na retina da memória, registei para sempre, até hoje, a circunstância em que vi a Veneranda personagem, naquela fria manhã de Novembro, ascético na sua toga encarnada, braços nus e sandálias, ladeado pelos ditos Reitor e Bispo, a descer o Santuário vindo da velha Cruz Alta.
Paradoxalmente, vinte anos passados, a terra está cheia de produtos e investimentos chineses, desde a mera quinquilharia, às bugigangas e santinhos com olhos em bico, grandes lojas, restaurantes e indústria extractiva – pedreiras.
2. Recentemente o Papa Francisco visitou o Iraque e a mítica cidade de Ur (da antiga Suméria, berço da civilização), onde se acredita que nasceu Abraão, pai de todas as tribos de onde, segundo o livro, provieram as grandes religiões monoteístas desta parte do mundo – judaísmo, cristianismo, Islamismo.
Num magnânimo gesto de dimensão ecuménica, apelou mais uma vez à tolerância, ao diálogo e à paz no mundo, paradigmático e num claríssimo contraste com os fanatismos, fundamentalismos e populismos que vêm assolando as nossas sociedades.
3. Após a sua tomada de posse para cumprir segundo mandato como PR, a primeira cerimónia oficial de Marcelo Rebelo de Sousa foi a sua presença no Porto, para uma cerimónia ecuménica. Depois, as suas primeiras visitas oficiais foram à Santa Sé – Vaticano e à vizinha Espanha. Do Vaticano trouxe a novidade de que o Papa voltaria a visitar Fátima em 2023, por ocasião das jornadas da juventude. De facto, isto anda tudo ligado e andamos todos ligados. Fátima motivou sempre alguma controvérsia e polémica, mesmo dentro da própria Igreja, que aliás, nunca a impôs como dogma de fé. Mas a realidade tornou‑a incontroversa. O fenómeno, as visões, como agora, e bem, se passou a chamar‑lhes, é largamente transcendente universal, e portanto, com alto significado ecuménico. Fátima, aliás, é um nome feminino de origem árabe, muito comum daquelas bandas. Por tudo isto, é e será sempre cada vez maior a afirmação de Fátima no país e no mundo. Muito mais que uma evidência, é também por aqui que teremos de evoluir e achar novos trilhos que nos ajudem a sair da crise, rumando ao futuro, a termos cada vez maior autonomia e a sermos concelho, porque é disso que se trata.
Em tempos de pandemia, de crises, tanto económicas, como de valores e de princípios, vale a pena reflectirmos um pouco sobre isto.
Boa continuação de desconfinamento, boa Quaresma e cuide‑se.