1. Que Marcelo quisesse aproveitar o segundo mandato para recolocar a direita no poder, era mais que óbvio. Os que lhe antecederam no cargo, fizeram, ou tentaram fazer, o mesmo. Agora, que o tenha feito de forma tão precipitada e desastrada, isso já nos surpreende. Ainda por cima escassos dias após um acto eleitoral, do qual resultou uma correlação de forças no espectro político, mais que evidente. Bastava-lhe ter esperado uns meses, ou mesmo um ano. Teria dado possibilidade à direita de se reajustar, e o desgaste natural do maior partido com assento parlamentar, a par do seu líder e primeiro-ministro, fariam o resto.
Mas Marcelo parece agir por impulsos e tem a propensão para falar demais, sobre o que deve e o que não deve. Foi o caso que se passou, e com isto criou um imbróglio completamente inédito. E que imbróglio! Porque em 30 de Janeiro de 2022, arrisca-se a que tudo fique mais ou menos na mesma. Isto, se o PS tornar a ganhar as eleições, como é mais que expectável, ainda que sem maioria absoluta. Quanto ao maior partido da oposição, é o que se vê, e estamos definitivamente conversados. Posto isto, sempre estamos curiosos por ver como irá reagir, e sobretudo, como irá gerir a sua imagem, a partir daqui e até ao final do mandato.
Marcelo tagarelou antes do tempo, ao vir dizer que o país não poderia perder a generosa oportunidade dos fundos da bazuca, arriscando-se a viver um ano em regime de duodécimos, caso o orçamento não fosse aprovado. Ao ter falado demais e pressionado, o que é que acabou por fazer acontecer? A obrigar-nos a viver todo o primeiro semestre de 2021 em regime de duodécimos. E isso, é o menos. Porque tornar a indigitar Costa como primeiro-ministro, para que forme novo governo, tomada de posse, apresentação de novo orçamento, a ser discutido e aprovado, ou reprovado, pelo novo parlamento; tudo junto, nunca deverá estar pronto antes de meados de Maio, ou mesmo Junho. Ao que se seguirão depois as férias, até Setembro. Portanto, muito mal esteve Marcelo, que acabou a comentar-se a si próprio. Foi pior a emenda que o soneto.
Que o leitor me perdoe o arrojo em comentar desta maneira. Mas por muito respeito que me mereça a figura institucional do Presidente da República, certo é que não é a rainha de Inglaterra. E se Marcelo, além de PR, não se abstém da sua natureza de comentador, comentando o que entende, como bem entende, então, por maioria de razão, também nós estamos habilitados em fazê-lo. É essa, aliás, a natureza e a essência do regime republicano.
2. Já quanto aos partidos, ficaram muito aquém do que seria expectável. Da direita à esquerda, passando pelo centro (se existe, onde é que está, para se alcançarem os devidos consensos?), ficaram todos mal na fotografia, tudo indicando que serão penalizados por isso. Mas mais, perante a crise criada, ao seguirmos os respectivos comentários e justificativas que arranjaram, continua bem patente que estão completamente desfasados da realidade. Falam apenas para dentro de si próprios, como se viu e se vê, e não respondem às mínimas aspirações do eleitorado a quem se dirigem. Já nem discurso têm. Nem parecem muito preocupados com isso, quanto mais em soluções. Por isso não admira que o fosso entre os eleitores e os partidos seja cada vez maior, e que a abstenção continue a aumentar, rondando quase os 50%. Depois, na noite eleitoral e após o escrutínio, ainda virão dizer que ganharam, ou que perderam por poucos. Nunca irão aprender.
3. Por último, a tudo isto acresce a iminência de uma quinta vaga, em pleno Inverno, com o parlamento dissolvido e sem poder legislar medidas de excepção, como estados de emergência, ou mesmo condicionando a campanha eleitoral dos partidos. E como se irão distribuir as tranches da bazuca pelas autarquias, por exemplo? À crise pandémica e sanitária, acresce agora, e agrava-se, a crise económica e financeira. Ninguém esteve bem.
Esperemos por outro tipo de discursos, e sobretudo de políticas, com outros políticos.
Tenham uma boa quinzena.