1. Ficou-me registada na memória, com rigidez cristalina, a minha última confissão. Andava pelos onze anos. Há precisamente cinquenta anos. Naquele dia desci as escadarias da velha Basílica e fui directo para casa. Dessa vez, já não rezei a habitual penitência, um Pai Nosso e dez Ave Marias, que era a bitola de sempre. Daí a afastar-me de catequeses e de catecismos, foi um pequeno passo. Tendo desabafado com a minha mãe o porquê da minha escolha e atitude, apenas me disse, algo consternada e entristecida: “não deixes de ir à missa do domingo, nem que seja só de vez em quando, mas não te sintas obrigado”. Cumpri o dever, com a especial deferência e respeito que ela merecia, durante os dois anos que ainda viveu. Depois, fui-me desabituando.
Se conto isto nas páginas deste jornal, e sendo de daqui de onde sou, foi porque os motivos que me levaram a tomar semelhante atitude, foram as tentativas da prática daquele tipo de actos que agora têm vindo a público e de que finalmente se fala, perpetrados por prelados por esse mundo fora, durante décadas, e sempre ocultados.
Devo dizer que não fiquei especialmente traumatizado. Terá sido uma sorte. Como disse, não passaram de tentativas, não obstante a incomodidade e estranheza que senti na altura, das quais me consegui sempre esquivar. Mas nunca mais esqueci os nomes e feições dos ditos confessores, que já não fazem parte deste mundo. De todo o modo, se ainda por cá continuassem, tais práticas e condutas estavam mais que prescritas, pois já passaram mais de cinquenta anos. Não sei, ninguém sabe, nem consegue saber, se para lá da eternidade existirão tribunais, ou qualquer coisa do género, que julguem este tipo de crimes e lhes sejam aplicadas penas. A menos que lhes esteja a suceder, como se canta na Divina Comédia de Dante: “Ó vós que entrais, abandonai toda a esperança”.
Muitos anos mais tarde, licenciei-me em Direito e fiz-me advogado. Nesse exercício, também me fui habituando a ouvir, a guardar e a respeitar todo o tipo de segredos, profissionais e de justiça (vulgarmente desrespeitados, infelizmente); e passei a envergar a toga, que acho a coisa mais parecida com uma sotaina, a que só falta o cabeção. Ironias do destino.
Para finalizar este assunto e para que não pareça tudo mau, resta-me opinar, que só uma consciência de dimensão superior como a do Papa Francisco, com a humildade que o caracteriza, é que tornou possível, se pudesse finalmente encarar e falar desta questão com a devida seriedade. Já se lhe conhecia disto e lido, da sua última encíclica. Este Papa desafia a nossa consciência. Não só a dos cristãos, mas de toda a humanidade. Acaso tivesse surgido mais cedo, será que tantos cristãos se teriam afastado da Igreja? Penso que é uma questão que a própria se deve colocar. Pela nossa parte, não nos custa nada admitir, que o Novo Testamento, é em si, o mais completo manual ético e de conduta que nos foi dado conhecer. Pena que não seja cumprido.
2. A corrupção é uma chaga e um pecado, que grassa na nossa sociedade. Já falámos disso na edição anterior. E na semana passada até houve um dia internacional, contra a dita. Nos últimos dias, tem-se falado muito da corrupção, por conta dos seus condenados, foragidos e detidos. Ficamos muito contentes com a eficácia das instituições, mas é apenas um paliativo. Muito mais se esconde por aí. No nosso concelho e freguesia. Por causa disso, Ourém ficará sem um dos dois deputados que tinha no parlamento. Há investigações em curso. O que se passa com as pedreiras. A extinção e dissolução de PPPs e a venda dos terrenos. A manipulação dos planos e o favorecimento de interesses particulares. De tudo muito se irá falar no ano que vem e nos próximos. Por enquanto, são outros segredos. Mas antes ainda haverá eleições. A esta distância, não vale a pena perdermos tempo com grandes vaticínios. No dia 30 de Janeiro, logo se verá.
Estamos no Inverno e faz frio. Cuide-se, agasalhe-se e vista pijamas quentinhos. Como o outro. Foi uma sorte não o terem apanhado nu. Porque já se viu que o indivíduo é completamente despido de carácter. Há gente assim.
Tenha um bom Natal. Até para o ano.