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José Poças

23 de maio, 2024

A abelha e a mosca

1. João Saraiva, funcionário do Parlamento português durante o Estado Novo, era um notável poeta satírico. Dedicado a um deputado de Alcafozes, uma aldeia da Beira Baixa, fez-lhe esta quadra:

Quando fala o de Alcafozes,

Os burros ficam pasmados,

Ouvindo, estando calados,

O eco das próprias vozes.

 

            Imagine-se se hoje em dia seria possível tamanha comparação.

 

2. Afirmação de Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, em 16 de Janeiro de 2020:

"Tenho a convicção que a questão do secretário-geral do PCP não vai ser um problema no congresso. (...) Mais difícil foi quando entrei em funções, que olhavam para mim como operário metalúrgico. E operário metalúrgico é burro..."

Imagine-se se hoje em dia seria possível tamanha comparação.

 

3.  Em Abril deste ano, o presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, numa conversa com jornalistas estrangeiros, acusou António Costa de ser “lento” por ser “oriental”.

Imagine-se se hoje em dia seria possível tamanha comparação (afinal pode!).

 

            Muitos mais exemplos podiam ser dados para se falar de dois pesos e duas medidas dos novos censores do politicamente correcto.

Nunca pensei escrever uma crónica a defender a liberdade de expressão no Parlamento. Todos sabemos da atitude provocatória/populista da extrema direita. Mas a censura é sempre má. Pode voltar-se contra nós, contra a democracia. Até porque infelizmente há pessoas que julgam que são donas da verdade e que nos impõem, ditatorialmente, a sua versão da realidade. Que haja a polémica, mas que não haja inquisição. Já está a decorrer por aí um policiamento da linguagem, do politicamente correcto que na prática em nada altera as desigualdades que as pessoas sofrem.

“Bendita” cólera sagrada em que se hostiliza, rotula, excomunga. Exactamente o que se condena aos extremistas de direita.

Claro que é inaceitável que se usem determinadas expressões injuriosas, mas proibir só conduz a uma vitimização. Há mecanismos próprios que o sistema prevê, os tribunais, para os que ultrapassam os limites democráticos nas suas ideias e/ou discursos políticos.

Usarmos os instrumentos que criticamos nos outros (e no salazarismo) é não nos distinguirmos deles. Hoje em dia, da extrema direita temos o populismo e da esquerda a pulsão censória. Este foguetório politicamente correcto mistura a ninharia com o grave e o gravíssimo, criando a perigosa ilusão de que a democracia pode e deve ser controlada e gerida pelos “iluminados” detentores da verdade.

 

 

Leia a notícia completa na edição impressa do Noticias de Fátima no dia 24 de maio de 2024.

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