Longe vão os tempos do meu avô materno que aos 5 anos já guardava um rebanho, não tendo a possibilidade de ir à escola. Longe vão os tempos do meu pai que, na sua adolescência, depois do trabalho no campo, ia de bicicleta do Reguengo do Fètal a Leiria para estudar na Escola Comercial, fizesse sol ou chuva, regressando já de noite a casa. Longe vão os tempos em que eu, na escola primária tive o professor Rosa, cuja pedagogia assentava no estalo e na régua.
Eram tempos em que o professor tinha um poder quase ilimitado, que usava para o bem e para o mal. Mas como se mudam os tempos e as vontades, quase por artes mágicas, em Portugal passou‑se de um extremo para o outro. E por culpa de sucessivos (des)governos e de novas pedagogias utópicas que apostam num “sucesso” total do aluno, nem que seja à custa de malabarismos pedagógicos (que não vou explorar aqui porque dariam para escrever um livro) que englobam burocracia, papéis e papéis que os professores têm de preencher para justificar o injustificável. Até porque os encarregados de educação hoje em dia acham normal que o seu educando transite de ano até ao final do Terceiro Ciclo com 4 ou 5 negativas. Ou que se matriculem no 10º Ano de Humanidades tendo tido negativas no 9º ano a Português e História. Os exemplos são infindáveis…
O Ministério da Educação actualmente não passa de uma espécie de alfaiate que quando a roupa não fica boa faz alterações não no fato, mas no cliente.
Permitam‑me só mais um exemplo na minha área profissional. Até há bem pouco tempo havia programas extensos, que não permitiam grandes planos de recuperação dos alunos. Solução do Ministério: de programas extensos passou‑se para o que chamam competências mínimas, ou seja, em vez de reduzir racionalmente o programa, acabaram por cortar mais de 40% da matéria. Mas incrivelmente este facilitismo ainda não resultava muito bem nos exames nacionais, estragando a estatística de um país pretensamente avançado educacionalmente. Resultado: modificaram‑se as perguntas, atribuindo quase o mesmo valor a uma pergunta simples e a uma pergunta de desenvolvimento.
Prejudicam‑se assim os bons alunos, procurando um nivelamento por baixo em que os alunos que não se aplicam, não estudam, conseguem tirar a positivazinha baixa que lhes permite transitar de ano. Infelizmente as coisas não melhoraram muito e já se põe em cima da mesa o fim dos exames nacionais. Trata‑se assim de seguir a célebre máxima, “se tocares a barriga com o dedo e doer, a solução é simples, deixa de tocar”.
O que espanta, no meio de toda esta chico esperteza é que neste momento de turbulência que vivemos, não se perceba que, mais do que não haver aulas para as crianças e jovens (com os evidentes transtornos para os pais), estes encarregados de educação deveriam questionar a falta de qualidade que há no ensino, onde impera o facilitismo e passagens de ano pouco mais do que administrativas. Que futuro estamos a construir para os nossos jovens?
O escritor moçambicano Mia Couto, escreveu e bem no seu livro Intervenções que “um país em que os jovens pedem antes de dar qualquer coisa, é um país que pode ter hipotecado o seu futuro. (…) O mal é a demissão das nossas responsabilidades, a deserção das nossas capacidades. Falo da dependência de um modo de vida em que tudo se consegue por favores, por cunhas e benesses.”
Quanto à situação dos professores, deixo apenas o testemunho do Paulo que, tendo sido meu colega em Fátima, concorreu para a escola pública. Foi colocado em Beja. A mulher e o filho vivem em Torres Novas. Como ainda estão a pagar a habitação familiar, passou a viver no Parque de Campismo, numa rulote. Vem a casa apenas um fim de semana por mês. A distância e o ordenado que recebe não lhe permitem grandes aventuras económicas.
Esta é apenas a ponta de um icebergue que se arrasta há anos demais. Por culpa de alfaiates, perdão, Ministros da Educação, que continuam a confeccionar fatos com estatísticas de “sucesso”, usando como medidas o facilitismo e a burocracia.