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José Poças

20 de março, 2020

A vida é tempo entre parêntesis

Nestes tempos difíceis que atravessamos, em que tomamos cons­ciência da nossa fragilidade humana, a literatura ajuda­-nos a tentar perceber as nossas limitações. O livro A Peste de Albert Camus (escrito em 1947) tornou­se tragicamente actual. Nesta história, tudo se desenrola na cidade de Oran, da então Argélia francesa, que ficou de quarentena devido à peste. Não resisto a transcrever dois excertos, em que a semelhança com o que vivemos é arrepiante:

«Os flagelos, na verdade, são uma coisa comum, mas é difícil acreditar neles quando se abatem sobre nós. Houve no mundo tantas pestes quanto guerras. E contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas. Rieux estava desprevenido, assim como nossos concidadãos, é necessário compreender assim as duas hesitações. E por isso é preciso compreender, também, que ele estivesse dividido entre a inquietação e a confiança. Quando estoura uma guerra, as pessoas dizem: ”Não vai durar muito, seria idiota”. E sem dúvida uma guerra é uma tolice, o que não a impede de durar.»

«Foi só com o tempo, ao constatar o aumento das mortes, que a opinião pública tomou consciência da verdade. (…) Ninguém aceitara ainda verdadeiramente a doença. A maior parte era sobretudo sensível ao que perturbava seus hábitos ou atingia seus interesses. Impacientavam­ se, irritavam­ se, e esses não são sentimentos que se possam contrapor à peste. A primeira reacção, por exemplo, era culpar as autoridades. A resposta do prefeito, diante das críticas de que a imprensa se fazia eco ­ ”Não se poderiam propor medidas mais flexíveis que as adoptadas?” ­ foi bastante imprevista. (…) Essa peste era a ruína do turismo.»

Camus escreveu uma história arrebatadora sobre o horror, a sobrevivência e a resiliência do ser humano, que nos ajuda a compreender o tempo presente. Nestes tempos que correm que vão desde o negacionismo do COVID­ 19 a uma profunda visão do Apocalipse, há que manter a serenidade possível. E sobretudo reflectir sobre esta nossa condição humana. Já que temos mais tempo para nós e para os que mais amamos (a quarentena tem estas coisas positivas), permitam-­me partilhar dois livros, aos quais regresso de vez em quando, como se se tratassem de um porto seguro.

Na introdução do seu livro Sinto Muito, o médico Nuno Lobo Antunes refere que nos esquecemos que “a vida é tempo entre parêntises” e que nunca estamos muito convencidos da nossa finitude humana. Por isso, este neurologista relata, na primeira pessoa, o difícil dia a dia dos médicos e dos seus pacientes. Da luta contra a morte e da impotência perante o sofrimento humano. Mas também da esperança, de fé na humanidade.

Quanto ao livro, Paciência com Deus, Tomáŝ Halík reflecte sobre a nossa ligação a Deus. Para quem, perante esta pandemia, põe em causa a nossa fé cristã, este teólogo checo (que sigo com especial atenção) sublinha que tem “ouvido, muitas vezes, o comentário irónico de que a fé é apenas uma «muleta» para ajudar aqueles dentre nós que são fracos e coxos, ao passo que os fortes não precisam dela. A fé não é «uma muleta», mas poderia ser comparada a um cajado de peregrino que nos ajuda na nossa caminhada ao longo da vida.”

 

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