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José Poças

19 de novembro, 2021

À volta do nome Fátima

Fui confrontado recentemente com uma mensagem de um amigo de longa data relatando-me a apresentação de um vídeo no castelo de Ourém em que se falava da
nossa terra estar associada a Fátima, filha de Maomé. Temos de ter uma certa contenção na nossa história e sobretudo, se foi verdade, como diz o ditado, “não vender gato por
lebre”.

 


Vem-me sempre à lembrança uma velha anedota sobre um guia turístico que querendo impressionar os visitantes de um museu em Lisboa, perante a exposição de
dois esqueletos, dizia convictamente que um era o de Camões enquanto jovem e o outro do mesmo Camões já depois de ter escrito Os Lusíadas.

 

Na Idade Média, devido à forte influência religiosa, havia a preocupação de justificar o nome das terras com uma possível intervenção divina. Por exemplo, aqui bem perto, nas Alcanadas, ainda há pessoas que associam o nome da sua aldeia à lenda da Arca de Noé, que teria vindo aqui encalhar.

 

Hoje em dia é fácil desmontar esses mitos. Esta zona onde vivemos foi na Idade Média (até à conquista de Leiria por D. Afonso Henriques), uma zona de ermameno, ou seja uma zona praticamente despovoada, já que as fronteiras eram indefinidas, devido à guerra entre cristãos e muçulmanos. A pouca importância de Fátima nessa altura está ligada à falta de referências históricas. Aliás, como é sobejamente conhecido, a nossa terra só ganhará verdadeira relevância em 1917.

 

Os primeiros dados precisos sobre Fátima referem que “a freguezia da Serra, situada no logar da Fátima, é da invocação de N. Senhora dos Prazeres; foi desmembrada da collegiada no anno de 1568”.

 


Voltando à origem do nome os monges de Cister, nos séculos XV e XVI, criaram uma série de histórias fantasiosas, com objectivos muito claros: ajudar a consolidar o sentimento de nacionalidade, apelando ao herói mítico que, apoiado na religião católica, conseguia dominar e destruir os hereges, leia-se muçulmanos. É neste contexto que temos de situar a história de Gonçalo Hermingues, propagada pela primeira vez por Frei Bernardo de Brito, na Crónica de Cister, em 1602, sem alusão à localidade de Fátima.

 

Gonçalo Hermigues, o Traga-Mouros, guerreiro da corte de D. Afonso Henriques, teria feito uma sortida a Alcácer do Sal, na noite de 24 de Junho de 1158. Preparavam-se os festejos de S. João e, como era costume nessa data, abriam-se as portas da vila logo de manhã para as lindas mouras irem colher flores. O valente cavaleiro e seus companheiros aproveitaram a ocasião para as raptar. Entre elas estava a bela Fátima, por quem o guerreiro se apaixonou. No entanto são descobertos e travou-se violento combate.

 

Conseguindo regressar vitorioso ao acampamento cristão, Gonçalo Hermingues, cativado pela beleza da jovem moura, terá recusado todas as recompensas que D. Afonso I quis conceder-lhe, não desejando outra senão a mão da bela muçulmana. 

 

Casou com a moira Fátima, entretanto convertida ao Cristianismo. Tendo sido baptizada com o nome de Ouriana, teriam vindo viver para estas paragens. Duma assentada estava resolvida a origem de dois topónimos - Ourém, que terá surgido por corrupção do vocábulo e Fátima, em homenagem ao antigo nome. Torna-se claramente impossível sustentar esta tese quando a confrontamos com o foral de Leiria, de 1142, onde já aparece documentado o nome de Ourém, enquanto a incursão a Alcácer do Sal
data de 1158.

 

Sendo uma região que teve presença árabe, comungamos a perspectiva também defendida pelo Doutor Luciano Cristino em que a origem deste topónimo deve ser associado um vocábulo comum, baseado na orografia do lugar (como era a norma árabe): Al-Khatima = fim, conclusão, termo, ou al-khaTimâ = bico de pássaro, nariz (de pessoa), donde elevação, cabeço.

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