Há muito tempo atrás, em 1954, dois padres verbitas chegaram a Portugal. Vindos da Alemanha, o seu destino era Fátima ou, mais propriamente, o então Seminário do Verbo Divino. Um deles, mais simpático e comunicativo, teimou que havia de aprender umas palavras para não fazer má figura ao chegar ao seu novo lar. À sua espera tinha, além dos seus colegas padres, os seminaristas. Do alto da sua imponente figura, soltou então um claro “Bom dia”! Só que em vez de impressionar quem o rodeava, apenas ouviu risos. E este húngaro de nascimento, que vinha dum seminário alemão, não só não percebeu porque se riam, como também não percebeu de imediato a emenda pronta que lhe fizeram, em bom português, “não é bom dia, é boa tarde”, pois o relógio já marcava as 16 horas.
Esta pícara história marca o início de uma vida dedicada, por inteiro, à nossa terra. Evocar a obra do padre Kondor não é tarefa fácil, pecará sempre por defeito, por mais que tentemos elencar toda a sua obra em e por Fátima. A sua memória está bem presente nalgumas das famílias e institui ções da nossa freguesia que foram por ele ajudadas e acarinhadas. Dado o espaço exíguo que tem uma crónica, permitam‑me só evocar uma das suas realizações.
O povo húngaro foi invadido no século XX, primeiro pelos alemães (na Segunda Grande Guerra) e depois pela URSS. O padre Elias Kardos foi um dos muitos magiares que fugiram nessa altura do seu país martirizado. Em 1951 veio a Fátima e ao conhecer a mensagem de Nossa Senhora, associou‑a ao seu país, sonhando com a construção na nossa cidade de um Calvário, o caminho dolo roso de Cristo. Tendo morrido sem ter concretizado o projecto, em Fátima surgia entretanto um outro húngaro que tinha fugido do seu país ainda seminarista, tendo acabado os seus estudos na Áustria e depois na Alemanha. Foi ele que, com terrenos oferecidos e/ou comprados, escolheu a escultora Amélia Carvalheira, o pintor Pedro Prokop, o arquitecto Ladislau Marek, o escultor Domingos Soares Branco e o artista Egino Weinert para construíram não só a Via Sacra, como também o Calvário e a Capela Húngara. Em 1992, quando a Hungria se libertou do jugo soviético, vários bispos desse país vieram a Fátima oferecer a XV estação – a Ressurreição de Jesus.
Neste ano em que se comemoram 10 anos da morte do padre Kondor, a comunidade húngara continua a não o esquecer, antes pelo contrário. A semana passada, Fátima foi palco do encontro das Associações Húngaras Europeias. Mais de 300 pessoas que vivem em vários países do nosso velho continente, percorreram a Via Sacra, celebraram a eucaristia na capela do Calvário Húngaro e recordaram o Padre Kondor, lançando dois livros em sua memória. Estiveram presentes o embaixador da Hungria em Portugal Miklós Halmai e a antiga embaixadora Klara, que se deslocou propositadamente da Hungria para prestar homenagem a um homem que, apesar de ter uma estátua numa praça com o seu nome, é infelizmente tão pouco recordado (e reconhecida a importância do seu legado) pelos fatimenses.
A partir de 1963 até à sua morte em 2009, o padre Kondor foi nomeado Vice‑Postulador das Causas de Beatificação e Canonização dos Pastorinhos. Não cabe no nesta simples crónica referir toda a sua acção pastoral por esse mundo fora, divulgando a mensagem de Fátima e advogando a canonização dos 3 pastorinhos. Quando, há alguns anos visi‑ tei a sua aldeia natal, Csikvánd, ao entrar na pequenina igreja local, deparei‑me com mais uma obra com a sua marca, um altar dedicado a Nossa Senhora, com uma pintura dos 3 pastorinhos (vestidos singelamente com trajes húngaros).
Parafraseando o padre João Augusto Leitão, missionário do Verbo Divino, o padre Kondor “percebeu que a Mensagem de Fátima tinha um alcance universal, é altar do mundo para salvação e paz no mundo, por isso, dedicou
a sua vida para divulgar a mensagem, como arauto de Fátima”. A esta figura que estará para sempre ligada à mensagem de Fátima e que transformou um cabeço árido numa Via Sacra, local de peregrinação e fé, percorrida por milhares de pessoas, resta-me apenas agradecer com um sonoro “Boa tarde Padre Kondor”.
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