Quem se debruce sobre o que aconteceu em 1918 e 1919, estranhará por certo as coincidências com a pandemia que, hoje em dia, vai atingindo todo o mundo, passados que são pouco mais de 100 anos.
Segundo o médico Ricardo Jorge, Director Geral da Saúde à época, foram trabalhadores alentejanos em Espanha que teriam trazido a gripe pneumónica para o nosso país.Em Julho de 1918 a epidemia diminuía, mas em meados de Agosto a população de Vila Nova de Gaia entrou em pânico com o avanço da gripe. Em Guimarães e noutros concelhos do norte do país proibiram‑se as missas.
Em 3 de Outubro de 1918, os jornais da época noticiavam que em Lisboa, soprava “uma nortada rija o que era péssimo para quem estava com gripe. Todas as escolas estavam fechadas e ninguém previa quando seriam reabertas. Estavam proibidas nos arredores da capital portuguesa feiras e romarias; muitos estabelecimentos mantinham‑se encerrados e começava a faltar o pão, a carne e o leite. As ruas estavam quase desertas e os eléctricos passavam com as cortinhas e portinholas fechadas.”
Thomaz de Mello Breyner, 4º conde de Mafra, ilustre médico do hospital de S. José descreveu as enfermarias lotadas, tendo ficado apavorado com a quantidade de cortejos fúnebres que percorriam a cidade, dia e noite. Segundo as suas memórias ( 2º e 3º Diá‑ rios), no dia “19 de Outubro: Fui ao hospital e lá tive a certeza que a epidemia da gripe pneumónica continua assustadora. Em média entram 100 doentes nos hospitais e morrem 30 ou 40. Acabou‑se em Lisboa o pano especial para cobrir caixões! Todas as flores da Praça são para os mortos”.
“21 de Outubro: A mortalidade é medonha (…) há enterros toda a noite”.
No dia 5 de Outubro (dia da comemoração da implantação da República), Sidónio Pais proibiu manifestações e quaisquer ajuntamentos como forma de evitar uma doença viral sem cura, em que bastava respirar o mesmo ar e inalar as partículas infectadas que ficavam suspensas durante minutos.
Foram proibidas as visitas aos enfermos; um dos salões do Governo Civil foi convertido em enfermaria; milhares de pessoas acorriam aos hospitais; faltavam polícias nas esquadras de Lisboa (o primeiro e 2º Comandantes estavam infectados).
A 7 de Outubro, Thomaz Breyner escrevia no seu diário, “vamos ver se escapo”. Enquanto a Espanha fechava as fronteiras com Portugal, por cá morria‑se às centenas diariamente. Num só dia fizeram‑se 250 enterros na capital; descobriam‑se famílias inteiras mortas em casa; a Direcção Geral dos Hospitais Civis de Lisboa pedia à Câmara para que abrisse uma vala comum no Cemitério dos Prazeres. Em meados de Outubro corria a notícia falsa de que os infectados de pneumonia estavam a descer. Segundo Mello Breyner, a 23 de Outubro, “o que diminui com certeza é o número de vivos em Lisboa.”
A 26 de Outubro fecharam todas as estações da linha ferroviária do Sul.
O Século noticiava que cerca de 2000 ferroviários estavam doentes. As ruas eram lavadas com cal corada. As oficinas de Santa Apolónia passaram a construir… urnas. O governo, desesperado, abriu novos hospitais de apoio aos doentes, usando o Convento das Trinas (com 300 camas) e o Liceu Camões, equipando‑o com 500.
O contágio epidémico atenuou‑se a partir de finais de Novembro de 1918 mas haveria ainda espaço para uma terceira vaga, na Primavera de 1919, com menor mortalidade. Ricardo Jorge assinalava, no seu Relatório Final de 1919, que em apenas 9 semanas tinham sido registados 5 mil óbitos em Lisboa. Contudo, segundo um estudo de João Frada nos anos 90 do século XX (tese de doutoramento), teriam morrido em Portugal 60.474 pessoas num período de apenas 6 meses. Em toda a Europa, terão morrido mais de 50 milhões de pessoas.
Quanto à proveniência desta epidemia, não existe consenso entre os historiadores e/ou médicos. Se há quem aponte ter sido em Brest ou Bordéus (França), curiosamente há autores que defendem que terá vindo, imagine ‑se... da China.
Como diria o saudoso repórter televisivo Fernando Pessa, “E esta, hein?”