Qualquer manual básico de Economia ensina que são três as principais funções que um Estado de Direito deve assegurar: Eficiência, Estabilidade e Equidade. Infelizmente em Portugal temos uma cultura de mediocridade que se foi instalando no Estado ao longo de décadas de desleixo, de compadrio e de ausência de meritocracia. Quando necessitamos de uma competência que não passa pelo talento individual (como por exemplo, o do vice‑almirante Gouveia e Melo em relação ao combate à COVID) mas pela eficácia simultânea de várias estruturas estatais, essa competência não aparece, porque simplesmente não existe.
Temos dificuldades na saúde, na educação, nos transportes, porque são áreas muito complexas, onde é difícil actuar e coordenar. E, no país do facilitismo, em tudo o que pode ser difícil, não se mexe. E assim se vai (sobre)vivendo. Neste mês de Junho a dívida da economia portuguesa atingiu novo máximo e ultrapassa os 780 mil milhões de euros; desde 2020 há 33 empresas públicas em falência técnica, entre as quais o Metro do Porto, a TAP e a CP; faltam professores, médicos e enfermeiros; instalou‑se o caos nas urgências de Obstetrícia e Ginecologia, que vão encerrando por todo o país. Ou seja, tudo aquilo que poderia correr mal, vai correndo mal. Houve má prepara‑ ção estrutural, há má actuação, má articulação com as autoridades de saúde, más explicações ao longo de todas estas semanas, más desculpas por parte da DGS.
A desculpa num passado recente foi a pandemia. Servia para justificar tudo, até a incompetência de alguns serviços públicos. Agora, é a guerra na Ucrânia. Os serviços não funcionam? Efeitos da guerra. Dificuldades de planeamento? É a guerra. Aumento dos impostos e gasóleo, já dos mais caros a nível mundial? É a guerra, que serve também para explicar a baixa produtividade, a ausência de capital para investir ou a falta de competitividade devido à asfixia fiscal do Governo.
Qual a solução? Os célebres Jobs for the boys. O Governo procedeu a 513 nomeações de profissionais das mais diversas áreas para integrarem os 79 grupos de trabalho formados neste segundo ano de governação. Claro que para tão brilhante trabalho estão previstas remunerações, gratificações, senhas de presença e ajudas de custo, pois claro.
É por isso que um dos problemas mais dramáticos deste país é a facilidade com que se confunde um suposto “esforço” com a competência. A competência não se mede em litros de suor, nem em horas de trabalho. Mede‑se pela eficácia das acções e pelos resultados que se obtêm. E nada melhor para ilustrar a mentalidade que domina os servidores da causa pública, do que as palavras da senhora diretora‑geral da Saúde, Graça Freitas. Segundo a ilustre responsável, na apresentação do plano de contingência da DGS para o Verão, “o pior que pode acontecer é adoecer ou ter aci‑ dentes em Agosto “, que não é um bom mês para os portugueses ficarem doentes porque podem “estragar fins de semana” já que as urgências hospitalares estão à beira da ruptura.
Estávamos nós a tentar digerir tão sábias recomendações, quando veio em sua ajuda o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, reforçando que os problemas na saúde, constituem uma preocupação para os portugueses e portanto “cada qual fará o esforço para não estar doente, por si mesmo, e para não pressionar o cuidado da saúde dos outros.”. Donde se infere claramente que a culpa é de todos nós portugueses, que temos a estranha mania de adoecer, e não do Governo que tutela o Serviço Nacional de Saúde.
Mia Couto num dos seus livros, O Universo num grão de areia, tem uma passagem, que me parece adaptada a estes tempos tão surreais.
“ A minha filha mais nova (…) interrompeu‑me e perguntou:
‑ Pai, no teu tempo o mundo era melhor?
Respondi que não, que o mundo não era melhor. Mas também acrescentei o seguinte: disse que, antigamente, o futuro era muito melhor".