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José Poças

6 de abril, 2023

Eu sabia que ia acabar um dia por falar nisto

A semana passada, a directora da escola Tallahassee Classical School, na Florida, Estados Unidos, foi obrigada a demitir-se por ter mostrado aos alunos, uma imagem da famosa estátua de David, do artista renascentista Miguel Ângelo. Alguns pais não gostaram do conteúdo, exibido a alunos do 6.º ano durante uma aula sobre Arte e apresentaram queixa contra a professora. Um encarregado de educação chegou mesmo a considerar que a estátua é simples pornografia.

Em resposta à controvérsia, a Galleria dell’Accademia, o museu onde está exposta a estátua, convidou toda a direcção da escola da Flórida, os pais dos alunos e o corpo estudantil a visitarem Itália, para presenciarem a "pureza" da escultura. Dario Nardella, presidente da câmara de Florença, replicou, e bem, que “arte é civilização, e quem a ensina merece respeito”.

O grande problema é que não estamos a falar de um simples caso isolado. Tal como um Tsunami, as evidências vão-se acumulando e nós vamos assobiando para o lado, disfarçando e tentando não ver esta onda gigantesca que há-de cair sobre Portugal.

Exemplos não faltam. Em Devon, em Inglaterra, as bibliotecas públicas estão a retirar as versões originais das obras “Os Cinco” de Enid Blyton (que li até à exaustão na minha meninice), substituindo-as por versões reescritas mais "actuais". Um dos exemplos é a troca da palavra “moreno” pela palavra “bronzeado”.

Uma escola de Barcelona “desco­briu” que 30% da literatura infantil que estava na sua biblioteca é "tóxica" e "sexista". Clássicos como “O Capuchinho Vermelho” ou “A Bela Adormecida” limitam-se a reproduzir preconceitos de género, com os ho­mens em papel heróico e as donzelas em posição secundária e vitimária. Segundo informa o El País, citando uma mãe exasperada, estes li­vros problemáticos têm de ser retirados da biblioteca.

A companhia West Australia Opera decidiu não representar mais a ópera “Carmen”, de Bizet, escrita em 1845, porque a personagem principal trabalhava numa fábrica de cigarros e, segundo o director Carolyn Chad “não vamos retratar nada que seja fomentador de comportamentos pouco saudáveis”.

Na Inglaterra, alguns romances sobre espionagem estão a ser rescritos, substituindo-se a linguagem chocante, como por exemplo a palavra “tortura” por “técnicas avançadas de interrogatório”.

Em 2020, a Unidade para a Igualdade e Diversidade da Universidade de Oxford, alertou os funcionários para terem uma atitude inclusiva, já que não olhar os alunos olhos nos olhos podia ser racismo. No dia seguinte, recebeu uma queixa e retirou o dito aviso uma vez que que se tinham esquecido que as pessoas com autismo não conseguiam olhar olhos nos olhos e que seriam, por isso, discriminadas.

Infelizmente estes casos patéticos são imensos e nem sequer me detenho a falar do que se passou num teatro português recentemente.  Hoje em dia temos um exército de censores quase analfabetos que distorcem a realidade. Há uma cólera sagrada em que não se procura explicar - hostiliza-se, rotula-se, excomunga-se. É este o totalitarismo que agrada aos extremismos, de esquerda e de direita.

Quem não sabe construir, destrói o que outros construíram. Quem não tem histó­ria para contar, apaga os sinais do que ou­tros escreveram. Quem não ousa sonhar ou compreender, proíbe a memória dos que se atreveram. Têm medo de livros, de relatos, de estátuas, de museus. O inimigo é o que designam como “burguesia folcló­rica hétero-cis-normativa”. Ou seja, a larga maioria da população.

Numa crónica, publicada em 2021, intitulada “Ainda não vimos nada”, António Barreto vaticinava que “é triste confessar, mas ainda estamos para ver até onde vão os revisores da História. Serão anos de destruição de símbolos, de substituição de heróis, de censura de livros e de demolição de esculturas. Até de rectificação de monumentos.” Acabava com ironia, prevendo que “os centros comerciais Colombo e Vasco da Gama esperam pela hora fatal da mudança de nome.”

O escritor Amos Oz, que foi deportado para um campo de concentração nazi, escreveu um dia que um fanático só sabe contar até um. “Justificavam sempre os seus actos com a nobreza dos seus sentimentos. Era isso, aliás, que colo­cava as suas acções acima de qual­quer crítica racional. Podem existir o dois, o três, o quatro. Mas o fanático não sai do sítio. Pior: ele quer que o mundo se ajuste à sua própria ignorância.”

Esta Escola do Ressentimento leva a que as pessoas, infelizmente, passem pela floresta do conhecimento da humanidade ao longo dos séculos e só vejam lenha para a fogueira.

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