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José Poças

16 de junho, 2023

Fátima perdeu mais um Homem Bom

Há já muitos (demasiados) anos fiz o secundário (10º e 11º Anos) em Alcobaça. O meu professor de Filosofia era irmão do Padre Ventura e curiosamente, surgiu uma certa ligação ao sacerdote e pedagogo, que era algumas vezes citado nas aulas. Quando vim trabalhar para Fátima, os avós do meu filho João eram professores do São Miguel e dada a sua proximidade com o director do colégio, comecei uma relação de amizade com o padre Joaquim Rodrigues Ventura. Com a minha profissão, embora dando aulas num outro colégio de Fátima, os nossos caminhos foram-se cruzando naturalmente. Quer fosse nos Congressos das Escolas Católicas, quer fosse nalguns projectos para Fátima, ou até quando acabei por ir dar aulas ao Colégio São Miguel, no Curso de Guias Turísticos. No fundo, como sabemos, ele era a alma e o timoneiro dessa instituição de ensino.

Foram muitas as horas em que pude observar o brilho no seu olhar quando, de maneira suave mas firme, me puxava pelo braço para falar da sua, nossa, querida Fátima. E dos projectos visionários que tinha, nomeadamente o da Fátima Cultural, ideia a que o Padre Ventura deu vida e que tive o grato prazer de, em representação do CEF, participar nos órgãos sociais. A esse propósito, ainda há bem pouco tempo me telefonou para comentar o que escrevi numa crónica, neste mesmo jornal. Dizia-me ele sobre esse projecto: “Foi uma pena, sabe. Tinha sido tão bom para Fátima. É que se não formos nós a puxar por ela ….”

A sua última grande obra foi a Fundação Arca da Aliança, estruturada em três emblemáticos projectos: o Apoio a Famílias carenciadas, o Lar de Infância e Juventude, projecto piloto constando de três unidade – acolhimento, pré-autonomia e autonomia – e a Aldeia Intergeracional. Ficar-lhe-ei sempre grato por ter tido a lembrança de me convidar a visitar a instituição. E a falar sobre tudo o que dizia respeito ao futuro da nossa terra. Sempre invejei (saudavelmente, pois claro) o seu discernimento e a capacidade de ver um pouco mais longe do que todos nós. Era um homem visionário, de grandes projectos, que punha de pé e que ajudava a crescer.

Longa era já a sua jornada terrena. Muito mais do que modestamente escreveu no seu livro “Retalhos de uma vida sacerdotal”.  Do seu ministério sacerdotal recordo apenas a sua passagem pela Atouguia (1953-1959). Em 1953, por provisão do Bispo de Leiria, noticiava o Notícias de Ourém, “foi a freguesia da Atouguia erecta em religiosa. O primeiro pároco, no dia 29 de Março fará entrada hoje pelas 9,30 horas na nova freguesia.” Ainda segundo o número seguinte do mesmo jornal “alguns milhares de pessoas com as crianças; de todas as es­colas da freguesia à frente e respectivos professores, aguar­davam na estrada municipal, a São Sebastião, o novo Prior, Rev.º Padre Ventura, Também ali se encontravam os senhores Cóne­go Amílcar Pinto, Reitor do Santuário de Fátima e que representava o senhor Bispo da Diocese, Padre Lopes, professor do Seminário de Leiria; Padres Manuel Lains e Moreira, natu­rais da Atouguia; Deputado da Nação, senhor Dr. Carlos Mendes, de Torres Novas; muitas pessoas de lugares circunvizinhos e de Vila Nova de Ourém, e até de Lisboa.”

Apesar dos seus 94 anos, continuava a ser uma das grandes referências de Fátima. O problema é que contrariamente ao que pensamos, estes homens não são imortais. E é com grande mágoa que vemos partir os homens bons (era assim que se chamavam na Idade Média) da nossa terra. E Fátima vai ficando cada vez mais pobre. A título de exemplo deixem-me recordar o sr. Albino Frazão e o Chico Dias, entre outros.

Sabemos que o caminho de qualquer vida é ladeado de pessoas. Não é um caminho no meio do deserto. É um caminho entre inúmeros seres humanos. Por isso, há pessoas que põem palavras nos nossos sentimentos. Os pronomes pessoais ensinam-nos que os verbos se sentem no «eu», se imaginam no «tu» ou no «ele», e se compartilham nas três pessoas do plural. A melhor forma de honrarmos a sua memória e legado será continuarmos a olhar de frente o futuro de Fátima. Até porque como dizia o padre António Vieira, “nós somos o que fazemos. O que não se faz não existe. Portanto, só existimos nos dias em que fazemos. Nos dias em não fazemos, apenas duramos.”

Cumprir o nosso ofício de homem é, em certos momentos, assumir o risco de se expor. Foi isso que fez o padre Joaquim Ventura. Toda a sua vida se pautou por agir e testemunhar (de humano a humano). Fica este breve apontamento de homenagem a um Homem (com letra grande) visionário, íntegro, que soube lutar pelos seus ideais, como sacerdote, pedagogo ou humanista. Como diz o lema repetido por milhares dos alunos que passaram no colégio São Miguel, “Alcança quem não cansa”. Obrigado pelo seu exemplo e testemunho.

 

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