Janus era o deus romano dos portões e portas, senhor do passado e futuro. O seu nome deu origem ao primeiro mês do ano, Janeiro. Era representado como um homem com 2 faces, uma voltada para o passado, com cara de ancião e uma voltada para o futuro, com a face de um homem jovial e belo.
Na mitologia, uma das faces de Janus falava a verdade enquanto a outra mentia, confundindo assim a pessoa na hora de fazer uma escolha importante. Esta dualidade mostra o seu papel como Deus das indecisões, pois representava aquele que acalenta e guia e, ao mesmo tempo, aquele que engana, que trai, que trapaceia.
E já que estamos neste início do mês de Janeiro de 2021, é tempo de fazer algumas breves reflexões:
1. Este novo ano traz-nos uma face de esperança para esta pandemia que nos atormenta. Chegaram as primeiras vacinas e o plano de vacinação parece estar a resultar, por enquanto. O estranho é que se olharmos para a outra face de Janus, houve, neste último ano, uma subida de quase 50 % de pessoas que não têm médico de família atribuído, sendo actualmente mais de 953 mil portugueses. A pergunta que se impõe é como é que o Governo vai integrar estes portugueses, seleccionando os doentes de risco, no plano de vacinação contra a COVID.
2. A partir do dia 1 de Janeiro, Portugal preside, durante 6 meses aos destinos da União Europeia. É uma oportunidade única do nosso governo se afirmar na Europa, numa altura em que, segundo Angela Merkel, "estão muitas questões em aberto, desde o combate às alterações climáticas à recuperação da economia, com principal foco nas questões sociais.” Se é prestigiante esta presidência, o certo é que se olharmos para a outra face de Janus o Governo português numa carta enviada ao Conselho Europeu, invocou três argumentos falsos (a que a Ministra da Justiça chama lapsos) para justificar a escolha do magistrado José Guerra, depois de o júri internacional ter escolhido a Ana Almeida, uma decisão que o Governo português não aceitou. Para aumentar ainda mais esta trapalhada, que nos envergonha a nível europeu, o director da Direcção Geral da Política de Justiça, Miguel Romão, ao demitir-se, admitiu que o conteúdo integral do currículo do procurador, os ditos “lapsos”, eram do conhecimento do Gabinete da Ministra da Justiça.
3. A cultura em Portugal está lentamente a reerguer-se. Atormentada pela pandemia e pelo encerramento de teatros e de salas de cinema, começam a serem publicitadas novas estreias e os actores vão, lentamente, voltando a trabalhar. Mas, olhando para a outra face de Janus, surgiu a semana passada uma petição de “ilustres” figuras públicas do nosso país sobre a dobragem de um filme de animação da Disney, de seu nome Soul. Como a voz emprestada ao protagonista negro foi de um actor branco (que imitou o sotaque), exigem a sua substituição pela voz de um actor negro. A partir de agora, pelos vistos, já não há lugar para a versatilidade dos actores - personagens negras têm de ser dobradas por actores negros, personagens caucasianas só podem ser dobradas por actores brancos, personagens chinesas por actores dessa etnia , etc, etc … Haja paciência para esta ditadura do politicamente correcto.
4. Vivemos tempos de campanha eleitoral para o cargo mais prestigiante da República portuguesa. Há escolhas para todos os gostos, com candidatos que vão da extrema direita à extrema esquerda. Eleger o mais alto representante da Nação, o garante da nossa democracia é um dever cívico para todos nós. Mas se olharmos para a outra face de Janus, tudo parece estar a correr mal. O Tribunal Constitucional não chumbou a candidatura do cidadão Baptista que apresentou apenas 11 assinaturas (eram precisas 7500) e entendeu que a competência para excluir candidatos deveria ser do Ministério da Administração Interna. Resultado, o tal dito senhor aparece impresso no boletim de voto … mas, graças à ineficaz burocracia do Estado, é com se fosse uma brincadeira, não conta para nada, só atrapalha. Por outro lado os debates têm sido verdadeiramente constrangedores, discutindo-se ideologias partidárias em detrimento das funções dum Chefe do Estado. Se a tendência for igual às últimas eleições para a Presidência da República, menos de 50% dos portugueses irá votar fragilizando, mais uma vez, a representatividade da nossa democracia.