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José Poças

5 de novembro, 2021

O Terramoto de 1755 e o Pão por Deus

Quando o Papa Gregório III (731-741), mandou construir uma capela em Roma em homenagem a todos os santos, determinou que o dia 1 de Novembro fosse reservado para as liturgias em memória dos santos, desde os mais venerados aos desconhecidos e dos que foram mártires, lutando em defesa da fé cristã.

 

Ora foi exactamente no dia 1 de Novembro, mas em 1775, quando as pessoas estavam na missa, que se deu o grande terramoto de Lisboa, o mais violento alguma vez registado em Portugal, de nível oito na escala de Ritcher. O fenómeno foi sentido durante vários minutos. Em diversos pontos da cidade deflagraram incêndios e em cerca de meia hora o rio invadiu a baixa da cidade. Muitas pessoas que tinham fugido em direcção às margens do Tejo, tentando escapar dos edifícios que ruíam, foram apanhadas pelas águas. O terramoto arrasou dezassete mil casas, trinta e cinco igrejas, seis hospitais, e ceifou cerca de 12 mil vidas.

 

Em 2 de Março de 1756, o cura de Fátima Manuel Batista Vaz respondeu ao Inquérito sobre o terramoto. Salientamos algumas passagens esclarecedoras (a grafia foi actualizada): «Que o Terramoto do primeiro de Novembro do ano de 1755, principiou das 9 para as 10 horas da manhã e que durou cinco minutos, pouco mais ou menos. (…) onde chamam o Outeiro arruinou (…) duas moradas (…) e que no dito Outeiro arruinou também parte de outra moradia (…); no lugar da Ramila (…) arruinou também uma casa; e que no lugar da Giesteira (…) arruinou também outra casa (…) na Igreja desta freguesia deu de si notavelmente como o dito Terramoto uma pedra das que por dentro sustentam a abóbada da capela mor, cuja pedra tem forma de meio arco (…) e a dita pedra se acha estribada com um sustentáculo de pau pelo medo da ruina que parece ameaça. (…) não morreu com o dito Terramoto, ou por causa dele até ao presente pessoa alguma. (…) Uma lagoa chamada a da Carreira (…) deitou fora com o dito Terramoto a água a onze palmos de distância (…)e no sítio do Casal Farto desta freguesia se abriu a terra (…) . Achei que os Terramotos depois do primeiro de Novembro têm repetido nesta freguesia quase que continuadamente, uns de dia outros de noite. »

 

A freguesia tinha na altura 255 casas. Segundo o Rol dos Confessados havia 416 pessoas do sexo masculino e 425 do sexo feminino. Confessava ainda com mágoa o padre cura, que «revendo com o possível cuidado o livro dos batizados e de Defuntos desta igreja, achei que tem esta freguesia mais 84 pessoas do sexo masculino e 77 do sexo feminino que ainda não vem à confissão».

 

Este terramoto de 1755 foi visto como uma calamidade por toda a Europa, com repercussões sociais e políticas além fronteiras.  Voltaire, o grande filósofo francês, para além de a referir no seu livro Cândido, escreveu o Poème sur le désastre de Lisbonne (Poema sobre o desastre de Lisboa). Profundamente impressionado, considerava que tal fenómeno jamais poderia ter ocorrido se a Terra fosse, como até esse momento se acreditava, uma mera criação divina, regulada pelos princípios de ordem e harmonia.

 

Estas e outras dúvidas que então se levantaram foram acompanhadas pelo aparecimento de pregadores anunciando mais catástrofes, para castigar os pecadores.  Apesar de terem sido presos e mandados para Angola, o mal já estava feito. O povo acreditou que era um castigo de Deus e que mesmo os que tinham morrido soterrados nas igrejas não iriam para o Céu, mas seriam condenados ao Purgatório. Embora haja registo da existência do Pão por Deus desde pelo menos desde 1387, em que era dado pão aos mais pobres, o certo é que se aponta ter sido a partir do Terramoto que a prática se generalizou em Portugal.

 

A maioria da população de Lisboa, ficou ainda mais pobre. Como o terramoto aconteceu no Dia de Todos os Santos, essa data era aproveitada a partir de 1756 para desencadear, por toda a cidade, um peditório. As pessoas batiam às portas e pediam que lhes fosse dada qualquer esmola, mesmo que fosse pão. Em troca prometiam retribuir com as suas orações em sufrágio pelas almas que penavam no purgatório. Era o chamado “pão das almas”. Terá sido aqui que se fundamentou a tradição do pedir “Bolinhos em louvor de todos os santinhos” ou de “Pão por Deus”. Na Mexoeira Grande (Portimão) ainda se utiliza o tradicional pregão de tempos idos, “Bolinho, Bolinho, Pela alma do seu defuntinho”. 

 

Logo pela manhã as crianças, em pequenos grupos, com as suas saquinhas de pano, andam de porta em porta, repetindo com entusiasmo e alegria o tradicional pregão “ Ó tia! dá bolinho?”. É uma tradição que se vai mantendo na nossa terra, com a adesão do comércio e da hotelaria de Fátima. Ao invés das tradicionais broas de azeite e erva doce, maçãs, romãs e frutos secos, quem acede ao pedido dá rebuçados, gomas, chupa-chupas, chocolates e em alguns casos uma moedinha.

 

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