Na Idade Média portuguesa havia nas cidades a chamada comunidade de vizinhos, onde se destacavam os Homens‑Bons. Pessoas da burguesia com prestígio social, eram escolhidos para debater os assuntos mais importantes, defendendo os interesses dos habitantes.
Neste início do ano acabámos de perder, num espaço muito curto, duas pessoas a quem se aplicaria, por certo, a designação de Homens‑Bons.
Armando Pereira Francisco, mais conhecido por Armando da Desarfate, foi um exemplo de generosidade e de envolvimento activo na comunidade. Na homilia em que todos nós nos despedimos deste amigo, o Padre Pereira fez questão de lembrar a sua constante disponibilidade para abraçar causas sociais, brincando até com o facto de nunca “ter dito que não” a um pedido de ajuda a uma associação, a uma instituição ou mesmo a qualquer obra em favor da comunidade. Conheci‑o com pouco mais de 20 anos quando vim trabalhar para o CRIF e, ao longo dos anos, sempre mantivemos uma amizade leal, franca e sincera. Em tom brincalhão, “então diz lá coisinho”, tirava um papelucho do bolso e assentava os nossos pedidos. Homem de trato fácil, dificilmente há de haver na freguesia de Fátima (e não só) uma instituição que não tenha tido a sua ajuda. Sendo impossível descrever toda a sua participação em prol da comunidade, relembramos a sua ligação à paróquia, ao Centro Desportivo, ao Eira Pedrense, Velhamento, Bombeiros, Santa Casa da Misericórdia, etc, etc.
Quanto a José Heleno, nascido em S. Mamede, em 1965 abriu com a esposa um minimercado mas, como grande empreendedor, foi desenvolvendo vários projectos que o levaram até ao Dom Gonçalo Hotel & Spa. Mas o Zé Heleno, como era de todos conhecido, tinha também um forte sentido cívico tendo assumido vários cargos associativos como, por exemplo, o de presidente do Rotary Club de Fátima, integrou a Direcção do Centro Paroquial de Fátima e a Associação de Restaurantes e Hotéis do Centro. Esteve também ligado ao movimento Pró‑Concelho de Fátima, na linha da frente da defesa dos interesses da “sua” Fátima.
Cada vez que nos encontrávamos, a sua frase inicial era sempre a mesma ‑ “Então e o pai?” Satisfeita a curiosidade sobre o seu velho amigo, não perdia tempo a entrar por outros assuntos de política local, criticando o que não se fazia mas devia fazer em Fátima. Sempre muito atento a tudo o que se passava, com uma opinião fundamentada, com uma grande acutilância e perspicácia, era uma massa crítica activa valiosa.
O escritor Teixeira de Pascoaes dizia que “todos deixamos na terra a nossa pegada inconfundível”. Fátima deve muito a estes dois homens. Neste ano em que uma das iniciativas da comemoração dos 25 anos da elevação de Fátima a cidade pretende homenagear 25 figuras que se destacaram na nossa história local, não tenho a menor hesitação em propor estes dois nomes. Poderão ou não ser escolhidos mas na minha modesta opinião merecem fazer parte dos ilustres fatimenses que solidariamente tanto lutaram pelo engrandecimento de Fátima.
Fica como nota final um grande abraço de saudade a estes dois Homens‑Bons, que tanta falta ainda vão fazer aos que por cá vão ficando. E é aqui que ganha sentido a fórmula «adeus» quando nos despedimos fisicamente destes dois amigos. Para quem acredita, pode tornar‑se na mais bela de todas as fórmulas quando a decompomos, «até Deus».