Terminada que foi (pelo menos por agora) a limitação imposta pela pandemia, a peregrinação de Maio voltou a ter uma afluência normal de peregrinos, embora ainda com pouca representatividade internacional.
Em 1924, um jornal distrital republicano, O Debate, ferozmente anti-católico, iniciava uma série de artigos sobre as peregrinações de Maio a Fátima. O articulista, apesar da visão negativista que perpassava nas suas crónicas, deixou-nos alguns pormenores deliciosos das peregrinações no final da 1ª República.
«A estrada turbilhonada de poeira, repleta de carros de todos os feitios e tamanhos. biciclêtes, tocando as suas campainhas e cornetas, grupos de velhos e velhas corcovadas, homens e mulheres de idade madura, rapazes pimpões, raparigas casadoiras, uns a pé, outros a cavalo, automoveis tocando a buzina num vae-vem continuo, é um spectaculo impertinente e aborrecido que dura alguns minutos até chegarmos junto da Lagôa da Carreira (…)
Não era ali ainda a Cova da Iria, mas dois minutos depois no meio de nuvens de pó amarelento e de sol ardente, là chegamos finalmente. (…)
Uma multidão imensa, talvez de 20 a 25 mil pessoas, estende-se pela depressão do terreno, não só junto ao poço, como tambem á capela com alpendre, no altar fóra da capela onde se encontra uma escultura e um pulpito e na estrada nº 121 que segue para a Batalha.
Queremos aproximar-nos é quasi impossível. Desde de manhã cedo que teem sido ditas missas campais e duas mil pessoas tomando hostias que tiveram de ser partidas aos pedaços, para chegarem para todos.
Desde os anos 20 do século XX que o Santuário é visitado por milhares de pessoas. Penso que é frei Bento Domingues que se refere a Fátima como "o grande cais espiritual" dos portugueses.Todos os anos há uma imensa multidão de peregrinos que vem a pé.Não foi por acaso que entre todas as metáforas da Bíblia, o Concílio Vaticano II escolheu, para sua teologia, a imagem de uma comunidade de peregrinos, communio viatorum do povo de Deus que caminha ao longo da história, sustentado pela força da fé.
Talvez também por isso Tolentino de Mendonça tem uma frase lindíssima sobre todas estas pessoas que percorrem centenas de quilómetros pelas estradas do nosso país em direcção a Fátima. Segundo o cardeal, este “peregrinar é rezar com os pés”. Credere (crer) deriva de cor dar (dar o coração). É o expressar de uma fé popular, vibrante e sincera.
Mas toda esta afluência de peregrinos levanta uma série de problemas ao nível das infra-estruturas. É de louvar a Câmara Municipal pela conclusão da obra de requalificação da estrada de Leiria que, vinda da Loureira, é um dos principais acessos à cidade de Fátima. Os novos passeios permitiram que os peregrinos a pé fizessem este percurso em segurança até ao Santuário e tornaram a circulação automóvel mais fluida. Se este problema está finalmente resolvido, é de lamentar que já em pleno século XXI, a nossa cidade, que recebe milhares de pessoas anualmente, continue a precisar de resolver problemas relacionados com vias estruturantes.
Um exemplo claro é a Avenida Papa João XXIII. Apesar da intenção da Câmara resolver o problema, o certo é que ainda não foi posto a concurso a sua requalificação. Como para o ano temos as Jornadas Mundiais da Juventude e a mais que previsível vinda do papa Francisco ao Altar do Mundo, a circulação nesta via terá tendência para se tornar caótica aos fins de semana e durante as grandes peregrinações de 2023.
Começa entretanto, este Sábado, o primeiro de quatro debates sobre a Fátima e o futuro. No fundo, trata-se de reflectir sobre o que queremos para a nossa cidade quando completar 50 anos. Mais uma vez é claro o apelo à participação cívica. Porque devemos ser todos, mas todos, a encontrar os caminhos que nos permitam construir o futuro da nossa terra, da nossa cidade, da nossa freguesia.