Na edição de 2 de Outubro de 1916 da revista elitista nacional Ilustração Portuguesa (ligada ao jornal O Século) surgia a notícia, devidamente acompanhada de fotografia, que “Augusto Gomes, proprietário da fábrica Abecassis em Aldegalega, casou em Vila Nova de Ourém com D. Carlota de Barros e Sá Martins, filha dos abastados proprietários Augusto Martins e D. Ludovina de Barros e Sá, da quinta do Poço do Soudo.”
Carlota Augusta de Barros e Sá Martins, tendo nascido no Reguengo do Fètal, veio com os pais para esta quinta que era na altura de seu tio, o desembargador Alfredo de Barros e Sá. A Quinta do Poço de Soudo tinha vastas terras nos limites‑sul das freguesias de Fátima e Ourém, com algumas casas, lagar de azeite, vinhas, bom olival e mato e lenhas, tendo funcionado, durante largos anos, como única casa bancária desta região de Fátima. Entre os documentos da Quinta, há livros com o Registo de empréstimos de quantias a muitas pessoas da região de Fátima, das terras de Ourém, Porto de Mós, Vale da Serra (Torres Novas) e do Juncal.
Passados dez anos, o marido de Carlota, Augusto Gomes, natural de Montalto (Olival), que era também empresário do Teatro Nacional, apareceria em todos os jornais nacionais. Na madrugada de 31 de Março de 1926 foi encontrado o cadáver de uma mulher «de invulgar beleza», que tinha sido estrangulada, numa rua paralela à Avenida Almirante Reis. Maria Alves, de 29 anos, era uma actriz de revista em grande ascensão na época. Uma diva do Parque Mayer. Nas redacções dos principais jornais, os repórteres tentavam descobrir o assassino. Durante quase um ano não houve dia em que o caso não fizesse manchete nas primeiras páginas. Segundo o Diário de Notícias, «no Porto, em Leiria, em Santarém, apesar de se terem duplicado as remessas, vemos as pessoas arrancarem os jornais umas às outras para lerem as novidades sobre este monstruoso assassinato.» Milhares de lisboetas acorreram à morgue do hospital de São José, fazendo com que o funeral no cemitério dos Prazeres se realizasse com um atraso de 2 horas.
Foi graças a um jornalista de 31 anos, António Ferro, redactor principal do Diário de Notícias, que o caso acabou por ser deslindado. Salazar, depois da imposição do Estado Novo, convidá‑lo‑ia para dirigir o Secretariado Nacional de Propaganda. Contrariando a tese que tinha sido um assalto que correu mal, ligado a um misterioso homem de fato cor de chumbo, entrevistou o electricista que encontrara o corpo da atriz e percebeu pelas suas palavras que Maria Alves não podia ter sido morta ali, antes fora transportada já cadáver e deixada naquela viela escura. Augusto Gomes acedeu falar com António Ferro e contou‑lhe a sua versão do que tinha acontecido naquela noite. A polícia e os outros jornalistas acreditaram no empresário, o jornalista não. Depressa percebeu que eram amantes e que nos últimos tempos a relação se tinha deteriorado. Havia discussões, cenas de ciúme, muita violência.
No número 71 da Rua Morais Soares, contíguo à casa de Augusto Gomes, vivia o capitão de Marinha João Luís Monteiro. Foi ele que contou a António Ferro ter visto, às duas da madrugada da noite de 31 de Março, um táxi passar pela rua dos Anjos. Lá dentro, confirmou a testemunha, estava Augusto Gomes e o corpo de uma mulher inanimada. O Diário de Notícias publicou a história. No dia seguinte, o empresário foi preso. Acusado de homicídio, declarou‑se inocente. António Ferro sabia que o carro onde Augusto Gomes e Maria Alves tinham sido vistos era um Citroen escuro. Só havia dez carros registados dessa marca em Lisboa. A polícia apurou rapidamente o número do táxi onde o crime fora perpetrado – era o 9237. O motorista chamava‑se João Fernandes e era um velho conhecido de Augusto Gomes. O condutor, depois de ser interrogado pela Polícia de Investigação Criminal, acede a dar uma entrevista exclusiva ao jornalista do Diário de Notícias em que incrimina o empresário, que lhe terá dirigido as seguintes palavras: «João, acabo de fazer o que um homem de honra faz sempre. Matei a Maria. Confessou que me atraiçoara, no Porto. Matei‑a!»
Confrontado com as declarações, Augusto Gomes admite a culpa. No julgamento esperava‑o uma multidão em fúria. Tiveram de ser recrutados 40 agentes para repor a ordem. Foi condenado a oito anos de prisão efectiva e doze de degredo por homicídio premeditado. Terminava assim esta triste história de contornos passionais.