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Miguel Ferreira

17 de março, 2023

A história do sacristão

Ali, naquela pequena aldeia, perdida entre as montanhas, todos os habitante s conheciam o sr. Argemiro,  o  alegre  sacristão que  auxiliava  o  padre em todas as tarefas da igreja. Facto que o fazia sabedor de todos os pecados locais.

Com  o  passar  dos  anos  o  vigário  adoeceu,  deixando  o sr. Argemiro preocupado, pois eram muito amigos. Devido ao passar da idade, a doença do padre agravou‑se, vindo este a falecer. 

Face a esta situação, foi enviado para a igreja um substituto que, assim que chegou, chamou o sacristão para obter informações sobre o local.

Ao aperceber‑se dos muitos afazeres da paróquia, o novo prior quis dividir com Argemiro uma boa parte da missa. Por isso, pediu‑lhe que a partir de então ficasse com a tarefa de ler os vários trechos da Bíblia. 

O sacristão, sem  graça, informou o novo padre que era analfabeto. Ao ouvir a explicação, este último ficou deveras espantado e não conseguiu perceber como é que o sacristão auxiliou na igreja, durante tantos anos, sem nunca ter aprendido a ler e a escrever. Assim, sem mais delongas, dispensou Argemiro dos serviços religiosos, dizendo que não poderia continuar com ele e que pediria ao Clero um outro ajudante letrado. 

Argemiro – coitado  –  partiu chateado por deixar para trás uma vida de boas recordações, mas no coração levava a esperança de novos dias. Por ser muito disponível e atencioso, todos o conheciam e consideravam. Por isso, num ápice, obteve sucesso logo no início do seu novo empreendimento: com uma modesta barraca, vendia artigos diversos a preços populares.  Em pouco tempo a barraca transformou‑se numa pequena loja. A loja cresceu e, com o passar do tempo, Argemiro já era dono de quase todo comércio local. 

Não muito longe dali, numa cidade vizinha, os donos de uma conhecida cadeia de lojas  interessaram‑se por Argemiro e pela grande capacidade em conduzir os negócios. Decidiram convidá‑lo para constituir uma sociedade. E, para assinalar o dia, marcaram com a imprensa local a cobertura de tal festividade. 

Ele, como sempre, mostrou‑se simpático e muito alegre. Compareceu acompanhado do seu advogado e, de seguida, recebeu o contracto para que pudesse lê‑lo e assiná‑lo. Não obstante, para surpresa de todos, Argemiro não examinou o documento, passando‑o imediatamente para as mãos do advogado. Não concordando com tal facto, os empresários quiseram uma explicação para aquela atitude de Argemiro: 

–  Sr. Argemiro, não vai ler contracto? Confia assim tanto no seu advogado? – perguntaram eles indignados.

Então, o ex‑sacristão respondeu que não podia assinar o contracto porque era analfabeto. 

–  Mas como!? Não sabe ler nem escrever? –  perguntou um dos directores.

–  Não sei não, senhor! ‑ respondeu Argemiro.

–  E como é que um analfabeto se tornou assim tão rico?! – questionou outro sócio.

–  É assim mesmo, como o senhor pode ver! –  concordou Argemiro. 

–  Se o senhor é analfabeto e tem este sucesso, imagino o que faria se soubesse ler e escrever! – exclamou um dos presentes.

Argemiro com o seu jeito simples e afável respondeu: 

‑ Se soubesse ler e escrever, eu seria apenas um sacristão!

Bem hajam.

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