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Pedro Afonso

18 de março, 2022

A Infância de Jesus

A recorrência das crises humanitárias torna a voltar-nos uns para os outros. Numa época de incerteza para a Europa, que recebe milhares de refugiados, é importante que nos tornemos sensíveis, capazes de compreender o lugar do outro. Uma das benesses da grande literatura é a exploração de temas universais, a sua capacidade de reflectir, mas também de preparar. 

 

Em 2013, dez anos depois de ser laureado com o Nobel, J. M. Coetzee lançou A Infância de Jesus, o primeiro livro de uma trilogia que já se encontra completa. Com um estilo de escrita económico e directo, o leitor vê-se preso a páginas que contam a história de um homem e uma criança acabados de chegar à cidade de Novilla. Depois de uma viagem pelo mar, estão prontos a receber um nome e uma idade. Ao homem declaram o nome de Simón; à criança o de Davíd. Sabemos ainda muito pouco sobre eles, mas apesar da sua chegada conjunta, Simón revela-nos que não conhece Davíd. A criança diz-se portadora de uma carta que o reuniria com a mãe, mas o documento perdeu-se durante a viagem, obrigando Simón a entregar Davíd onde a carta o levaria, pondo em movimento a linha narrativa principal.

 

A silhueta de Novilla lembra um pano branco, edifícios e pessoas conjugam-se em breves saliências. Complexos, paredes e parques são abominavelmente convencionais e as pessoas parecem há muito ter abandonado qualquer desejo ou apetite. A Simón, encarregue da criança, surge uma solução: Davíd reconhecerá o rosto da mãe, insistindo que algo assim não pode ser apagado, mesmo no lugar onde todos parecem esquecer.

 

O contraste entre personagens e vidas podem ajudar-nos a compreender o que significa ter um lugar numa altura em que muitos perdem o seu. Para agir, devemos primeiro compreender. Pensemos, para que brevemente nos seja permitido ajudar.

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