Em Uma Abelha na Chuva somos transportados para um Portugal salazarista e medíocre, país oprimido onde a burguesia rural recusava admitir o seu colapso eminente. Carlos de Oliveira, o autor, a dada altura da sua vida torna‑se um “revisionista”, rescrevendo muitas das suas obras para as levar a revelar um nível mais essencial. Nascido no Brasil, mas cedo emigrado para Portugal, ficou marcado pela pobreza e a falta de resistência da vida rural; a entrada na Universidade de Coimbra foi decisiva, ligando‑o àqueles que não aceitavam ferros e grilhões para a literatura.
Em uma abelha na chuva somos espectadores do amor que apoquenta a vida de vários casais, amor escasso, inexistente e outras vezes abundante. Os Silvestres, grandes burgueses rurais, formaram‑se com Maria dos Prazeres, uma mulher com costados de nobreza e penúria financeira, dada a casamento pelo pai a Álvaro Silvestre, um fazendeiro e comerciante que tinha ganho a vida da terra e, depois do casamento, do roubo aos homens na terra e a Deus no céu.
No seio do matrimónio estéril, por entre as paredes de casa, Álvaro ouve o cocheiro rir‑se à sua custa com a criada, que é também amante do cocheiro. Diz que a patroa “o devora com os olhos” e muito se riem; Álvaro, bêbedo de brandy e vingança, planeia o fim de um amor que já trazia fruto no ventre. Uma Abelha na Chuva foi publicada no ano de 1953, nas linhas de um movimento literário neorealista que procurava recuperar a imagem da colectividade e do trabalho comum em Portugal.
Carlos de Oliveira foi mais longe: a luta de classes representada da sua obra é fomentada pelas frustrações individuais dos personagens que não produzem, nem reproduzem, mas que roubam e escondem. Cada um, uma abelha à chuva, incapazes de cumprir o dever na colmeia que é este nosso Portugal.