O Homem é um ser social por excelência. Desde que é concebido, vê-se inserido em diferentes comunidades e grupos cujos vínculos serão mais ou menos fortes em resultado de vivências, interesses e sentimentos. Começando pela família, fundacional, seguindo com o emprego, funcional, e terminando nos passatempos, complementares, todos nós nos vamos enredando numa extraordinária e complexa teia de relações que nos serve de suporte para vencermos as vicissitudes de um imparável e por vezes assombroso quotidiano.
Se é certo que há vínculos sobre os quais não temos escolha devido à lotaria genética, como é o caso dos vínculos de sangue, por outro lado temos o sortilégio de podermos escolher a generalidade dos restantes vínculos, principalmente aqueles que se tornarão essenciais para nos tornarmos a pessoa que almejamos ser e podermos viver do modo que desejamos. Falo em especial dos amigos, as pessoas a quem recorremos nos momentos mais problemáticos, aquelas a quem confiamos inseguranças e fantasmas, temores e angústias, projectos e sonhos, ou seja, a nossa intimidade. Serão provavelmente estes os vínculos que ditarão o sucesso ou o fracasso daquilo que de mais importante existe na nossa vida.
Quando expandimos perspecticamente esta temática, é curioso verificar que nunca houve tantos problemas de solidão, desamparo e abandono como hoje em dia, não obstante vivermos em sociedades em que a liberdade é norma e que colocam à nossa disposição uma infinidade de meios para solucionar este problema. O autor e sociólogo italiano Francesco Alberoni já em 1984 colocava o dedo na ferida. Na sua obra L’Amicizia, um ensaio que disseca os meandros e paradoxos da Amizade, começa por questionar se no mundo actual ainda existe amizade, alertando o leitor para a impressão apriorística que nos poderá levar a crer que ela está em extinção. Elaborando um pouco mais, acrescenta que num mundo dominado pela perspectiva economicista e pelos jogos de poder parece não haver lugar para a sinceridade e nobreza de sentimentos nas relações interpessoais. Consumidos pela vertiginosa e constante necessidade de novos contactos, de novas relações, sejam elas profissionais ou pessoais, parece-nos utópico pararmos um instante que seja e olharmos retrospectivamente para aquilo que já conquistámos e refundarmos ligações passadas. Acrescento eu, quando adicionamos e bloqueamos ‘amigos’ com a facilidade de um clique, confortáveis atrás do escudo falacioso de qualquer ecrã, parece ser igualmente fácil esquecer a imprescindibilidade dos vínculos de sinceridade e sentida lealdade que só um amigo de anos pode garantir.
Se isto é um problema que assola as pessoas que sempre viveram próximas da(s) comunidade(s) de que são originárias (família, localidade, região, país), será fácil imaginar tratar-se de algo que potencialmente se torna muito mais problemático junto das comunidades emigrantes, muitas vezes obrigadas a criar de raiz uma nova teia de vínculos afectivos que as ajudem a suportar e vencer as agruras da vida.
Estas reflexões vieram-me à mente há poucos dias quando desfrutava de um churrasco entre amigos. Como pano de fundo, várias montanhas alpinas ostentavam orgulhosamente os seus relevos pintados de branco nos cumes mais elevados. Nas proximidades um prado apresentava a sua luxúria verdejante, terminando num relvado irrepreensível onde várias pessoas aproveitavam os raios solares para recarregar os corpos de vitamina D e as crianças davam asas a despreocupadas fantasias. No lado oposto crescia um denso e belíssimo bosque repleto de vida renascida. Estava eu siderado, embriagado mesmo, a observar aquela paisagem idílica, quando repentinamente me ocorreu: e as pessoas? E os meus Amigos? Naquele momento, senti-me o homem mais afortunado do mundo. Tinha a possibilidade de esbanjar toda a serenidade do mundo a enlevar-me naquele êxtase de beleza genuína pela simples razão de estar rodeado de amigos incríveis que me proporcionam momentos como aquele. Pessoas que desde o dia da minha chegada a terras estrangeiras me auxiliaram em tudo aquilo que mais necessitava. Por isso lhes estou grato. A estes amigos e a todos os outros que, mesmo à distância de milhares de quilómetros e de meses ou anos de separação, continuam a morar a minha mente e, principalmente, o meu coração. A todos eles devo muito. Provavelmente não os abracei as vezes necessárias e com a força devida. Quase de certeza lhes falhei inadvertidamente ao longo dos anos e por isso me penitencio. Há porém algo que nunca lhes negarei, a minha eterna gratidão e a minha irredutível devoção.