Mesmo havendo “poucos estudos publicados sobre o impacto da quarentena na saúde mental”, já que os que existem incidem sobre pequenos grupos e por períodos de confinamento que não vão além dos 20 dias, o psiquiatra Pedro Afonso não tem dúvidas que, numa situação como a da actual pandemia de COVID-19, existem medos incontornáveis, nomeadamente “o medo de ficar infectado, o de infectar os outros, o de ter uma forma grave da doença e morrer e o de ser vítima de estigma social após ter recuperado da doença”.
Uma questão mais profunda no entanto subsiste, porque, considera o psiquiatra, “o medo não se perde por decreto”, há que lutar contra ele.
“Além do medo de contrair a doença, existem outros medos. (…) O que irei fazer se o dinheiro acabar? Irei ficar desempregado? Como vou pagar os salários? Como vou pagar os empréstimos? Conseguirei pagar a renda ou o empréstimo da casa?”, exemplificou Pedro Afonso, na web-conferência A ansiedade e o medo no regresso a uma nova normalidade, promovida pela NERSANT a 22 de Maio.
Em tempo de desconfinamento, a palavra de ordem para se conseguir manter a saúde mental é mesmo lutar contra o medo. “No regresso à nova normalidade, temos de lutar contra o medo, pois o medo não é boa companhia”.
Pedro Afonso apelou à racionalização do medo “tal como foi feito na sequência dos ataques terroristas do 11 de Setembro nos Estados Unidos da América, que obrigaram a toda uma série de medidas de segurança com as quais passámos, desde então, a conviver, por exemplo nas medidas de segurança nas viagens aéreas, (…) vamos ter também uma série de procedimentos de segurança, como o uso de máscara, de regras de higiene e distanciamento físico, entre outros procedimentos.”, aos quais também nos vamos habituar.
O psiquiatra considera que, sendo certo que o “isolamento profilático reduz o contágio e protege vidas humanas”, também é verdade, de acordo com vários estudos, que “quanto mais tempo durar o período de quarentena, maiores são os riscos na saúde mental”.
Pedro Afonso referiu que “é preciso termos confiança e os políticos devem transmitir confiança à população”.
Isto porque as situações económicas, sociais e familiares, as actuais e as que se aproximam, serão muito difíceis para alguns. Um caso concreto referido pelo médico foi o do luto que durante estado de emergência não pôde ser vivido de forma total pelas famílias, que fizeram o chamado “luto sem corpo”, que “pode dar em casos de luto patológico”. Outra situação, embora ainda sem dados em Portugal, terá que ver com os conflitos conjugais. Os primeiros dados, referidos por Pedro Afonso, confirmam que após o desconfinamento na cidade chinesa em que a doença teve início o número de divórcios aumentou.
“Além da tragédia e da morte” na actual situação de crise causada pela pandemia podem encontrar-se aspectos positivos, tais como, o “restauro da confiança na ciência e na medicina” e a confirmação “de que o sector privado (de saúde) e o Sistema Nacional de Saúde devem coabitar”.
"Dicas" úteis para empresários
Tratando-se de uma iniciativa promovida em primeira instância para empresários, Pedro Afonso deixou na web-conferência promovida pela Nersant algumas ideias para prevenir o burnout em tempo de pandemia. A principal assenta na formação de boas chefias e lideranças que invistam em acções concretas como em “melhorar as competências de comunicação com os subordinados, fornecer apoio social positivo, expressar gratidão com maior frequência pela colaboração no trabalho”.
Num mundo em mudança, “o modo de trabalharmos irá sofrer modificações”. O psiquiatra antecipa duas delas, já aliás notadas, e entendidas como positivas. A primeira tem que ver com o teletrabalho, que “veio para ficar”, “com vantagens e desvantagens”; a segunda modificação está relacionada com a alteração nas reuniões de trabalhos, com o fim “reunite crónica”, “as reuniões que se alongam no tempo”, as reuniões passarão a ser mais on line, mais curtas e “mais produtivas, talvez”.
Outro aspecto positivo e que ganhou novo impulso neste tempo de pandemia tem que ver com a “aceleração da implementação das novas tecnologias de comunicação”. Contudo, como consideração final foi referido por Pedro Afonso, que “ninguém é autossuficiente” e que também “a indústria e a economia não funcionam sem pessoas”.
“É tempo de cada um dar o seu melhor na construção do país. (…) É dar tudo, e menos do que isso será pouco”, referiu o psiquiatra que escolheu como imagem deste período "sombrio, quase apocalíptico", a do papa Francisco, a caminhar sozinho, a 27 de Março (2020), na Praça de S. Pedro, "como se tivesse a carregar sobre sobre os seus próprios ombros o sofrimento da humanidade".